terça-feira, 31 de março de 2009

A Internacionalização do Mundo

Durante debate ocorrido no mês de Novembro/2000, em uma Universidade, nos Estados Unidos, o ex-governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque (PT), foi questionado sobre o que pensava da internacionalização da Amazônia. O jovem introduziu sua pergunta dizendo que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Segundo Cristovam, foi a primeira vez que um debatedor determinou a ótica humanista como o ponto de partida para a sua resposta:

“De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização da Amazônia. Por mais que nossos governos não tenham o devido cuidado com esse patrimônio, ele é nosso. Como humanista, sentindo e risco da degradação ambiental que sofre a Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que tem importância para a Humanidade. Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Da mesma forma, o capital financeiro dos países ricos deveria ser internacionalizado

Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono, ou
de um país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões arbitrárias dos especuladores globais. Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países inteiros na volúpia da especulação. Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer apenas à França. Cada museu do mundo é guardião das mais belas peças produzidas pelo gênio humano. Não se pode deixar esse patrimônio cultural, como o patrimônio natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de um proprietário ou de um país.

Não faz muito, um milionário japonês, decidiu enterrar com ele um quadro de um grande mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado. Durante este encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve ser internacionalizada. Pelo menos Manhattan deveria pertencer a toda a Humanidade. Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade, com sua beleza específica, sua história do mundo, deveriam pertencer ao mundo inteiro. Se os EUA querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-la nas mãos de brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA. Até porque eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas, provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas feitas nas florestas do Brasil. Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos EUA têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do mundo em troca da dívida.

Comecemos usando essa dívida para garantir que cada criança do mundo tenha possibilidade de ir à escola. Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país onde nasceram, como patrimônio que merece cuidados do mundo inteiro. Ainda mais do que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo como um patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam estudar; que morram quando deveriam viver. Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só nossa.”

Autor do artigo: Cristovam Buarque, Professor da Universidade de Brasília e Senador pelo PDT/DF


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Coleção outono-inverno Daslu


As estampas foram inspiradas em Eliane Tranchesi

Branda ou dura? Ditadura

Emiliano José "... Mas, se as chamadas “ditabrandas” – caso do Brasil entre 1964 e 1985 – partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça – o novo autoritarismo latino – americano, inaugurado por Alberto Fujimori, no Peru, faz o caminho inverso. O líder eleito mina as instituições e os controles democráticos por dentro, paulatinamente". (Editorial da Folha de S. Paulo, de 27/02/2009).

Esse parágrafo do editorial Limites a Chávez desnuda qualquer pretensão crítica de Folha de S. Paulo à ditadura militar. Constituiu uma impressionante defesa do golpe militar de 1964. Vamos dar uma olhadinha apenas nele, nesse parágrafo, para que depois entremos com mais rigor no assunto. Primeiro, a Folha diz que não havia golpe. Havia apenas uma simples “ruptura institucional”. Não houve tanques nas ruas, não houve prisões, não houve torturas. Nada.

E na sequência, depois dessa quase angelical ruptura institucional, a ditabranda - o neologismo cunhado pela Folha para definir a ditadura militar – preservou a disputa política na sociedade brasileira, certamente em moldes civilizados, como está quase explícito no texto. A ditabranda, que os leitores desculpem o uso abusivo do termo, depois da ruptura institucional – outra vez peço desculpas – preservou ou instituiu “ formas controladas de disputa política e acesso à justiça”. É, na opinião da Folha, foi apenas isso.

A ditadura garantia não só a disputa política como também acesso à justiça. Diabo é o Chávez que, em 10 anos de poder, disputou 15 eleições, venceu 14, e em todas elas experimentou a presença rigorosa de observadores internacionais. Seguramente não foi esta a ditadura que eu vi, que a sociedade brasileira viu.

"... A via-crucis de Eduardo Collen Leite – Bacuri – durou 109 dias. Foi preso no dia 21 de agosto de 1970, no Rio de Janeiro, pela equipe do delegado Sérgio Fleury, e conduzido a um centro clandestino de tortura em São Conrado. Foi interrogado e torturado em muitos locais no Rio e em São Paulo. Após ser retirado do X-1 do Deops/SP, nunca mais foi visto por ninguém, a não ser por seus algozes. No dia 08 de dezembro de 1970, o corpo de Bacuri foi encontrado nas imediações de São Sebastião, litoral norte do Estado de São Paulo. Seu corpo foi encontrado apresentando hematomas, escoriações, cortes profundos, queimaduras, dentes arrancados, e olhos vazados". ( Dos filhos deste solo: Mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar: a responsabilidade do Estado, de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio).

Não houve a singeleza da ruptura institucional, que só a Folha e a direita brasileira viram. Houve um golpe violento. Sem exagero, regado a sangue. Sangue de brasileiros e brasileiras. Um golpe que usou e abusou da tortura. Que matou covardemente centenas de opositores. Matou quase invariavelmente na tortura. Que prendeu, perseguiu, humilhou, maltratou milhares de pessoas. Que fez desaparecer pessoas. Que seviciou mulheres e crianças. E sempre fez isso à custa do sacrifício da liberdade, inclusive a de imprensa, que, parece, a Folha não viu ou não quis ver. Por que a Folha, então, designa uma ditadura tão violenta, tão sanguinária, de ditabranda?

Uma ditadura que teve à frente generais tão cruéis como Castello Branco, Costa e Silva, como Garrastazu Médici, como Ernesto Geisel, pode ser tida como branda? Uma ditadura que criou monstros como Doi-Codis, como a Operação Bandeirantes, como o CENIMAR, como o Deops/SP, essa infernal máquina repressiva, de tortura, pode ser anistiada assim, como o fez a Folha? Uma ditadura que se vale de um Fleury, de um Ustra, pode ser tida, dita como branda? Só pela Folha mesmo!

"... Lamarca se levantou e tentou se afastar. No mesmo instante, uma rajada de metralhadora, disparada por Dalmar Caribé, atingiu-o pelas costas. Caiu imobilizado pelo impacto de três tiros – nas nádegas, na mão direita e no ombro esquerdo. Deitado estava, deitado ficou, sem tempo de usar o Smith Wesson e o Taurus 38. Ainda estava vivo quando recebeu mais quatro tiros, a curta distância, três deles no peito e um último a queima roupa no coração". (Do livro Lamarca, o Capitão da Guerrilha, de Emiliano José e Oldack de Miranda).

Costumo dizer que, salvo as sempre honrosas exceções, a imprensa brasileira não pode contar sua própria história. Infelizmente, sempre ficou ao lado das ditaduras e contra quaisquer governos democráticos e reformistas. O grupo Folha foi um aliado da ditadura. Por isso essa posição, a que “deixa escapar” o termo ditabranda não deveria surpreender ninguém. O neologismo ditabranda não é um simples ato falho.

Corresponde à história do grupo. Há um livro precioso de Beatriz Kushnir - Cães de Guarda - que deveria ser leitura obrigatória das escolas de jornalismo e de quem pretenda conhecer uma parte considerável da história de jornalismo sob a ditadura, de modo especial a história do grupo Folha. Por ele se compreenderá a gênese da ditabranda, se esclarecerá o quanto de cumplicidade houve entre a ditadura e o grupo Folha. Não falo mais para não prejudicar a leitura.

A Folha, depois de receber uma saraivada de críticas de leitores indignados com o editorial, fez um primor de Nota de Redação. Disse que “na comparação com outros regimes instalados na região no período, a ditadura brasileira apresentou níveis baixos de violência política e institucional”. Decididamente, o jornal podia ser um pouco mais zeloso, ter um mínimo de respeito com os leitores, consideração com a inteligência dos brasileiros. Será que a Folha, ao fazer sua macabra contabilidade – quantos mortos pela ditadura brasileira, quantos pela ditadura Argentina, por exemplo – queria dizer que se a ditadura brasileira matou “só” algumas centenas de pe ssoas, torturou “apenas” alguns milhares de brasileiros, foi mais branda porque “afinal” podia ter matado e torturado muito mais?

O editorial, para além dos equívocos históricos e conceituais quanto a Hugo Chávez, constitui uma afronta à sociedade brasileira e uma atitude de escárnio face a milhares de familiares de pessoas presas, torturadas, mortas, mutiladas, desaparecidas por conta da ação da ditadura quem em momento algum foi branda, insista-se.

Para aumentar o desastre, a Folha desqualificou a crítica, tentando diminuir os professores Fábio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides, que se insurgiram corretamente contra o editorial. Lamentável.

E é sintomático que o editorial de defesa da ditadura apareça no momento em que o Brasil discute a punição dos torturadores. Muito sintomático. A existência rotineira de tortura por si só é a negação de qualquer brandura. Ditadura, nunca mais!

"... Assim que começou a atravessar a rua em direção ao carro, estalou a fuzilaria. Não se sabia de onde exatamente vinham os tiros, porque vinham de todas as direções. O primeiro perfurou-lhe as nádegas, entrando pelo lado direito e saindo pelo esquerdo. O segundo atingiu-o na região pélvica, a bala se alojando no arco pubiano. O terceiro atingiu-o de raspão, no queixo. E um quarto tiro fraturou-lhe uma costela e perfurou a aorta e o pulmão. Carlos Marighella, o inimigo número um da ditadura, estava morto" (Carlos Marighella, o inimigo número um da ditadura militar, de Emiliano José)


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Lula e os banqueiros de olhos azuis


Que me desculpem os tucanos (e demo-pefelês), mas a cada gesto ou palavra do nosso imprevisível torneiro mecânico sem dedo e monoglota que choca o mundo, menos por soar ofensivo do que por oferecer a franqueza dura da verdade, não consigo deixar de pensar na humilhação de FHC, o farol de Alexandria, que se orgulha de ter feito tanto para enfeitar a imagem de seu país aos olhos dos ricos do mundo.

Essa reflexão é sugerida pela coluna bem humorada de Maureen Dowd, no New York Times de domingo, sobre o desabafo de Lula contra os banqueiros gananciosos de olhos azuis que criaram a atual crise mundial (título: “Blue Eyed Greed?”). Referiu-se ainda ao ataque do império Murdoch de mídia (New York Post, “Fox News”), que chamava Saddam de “açougueiro de Bagdá” e agora chama Lula de “Brazil nut” e “Lula lulu”.

Pobre FHC, deve estar corado de vergonha. É admirável o esforço dele para vender um Brasil culto aos ricos e sofisticados, convencendo-os de que não somos bugres como eles imaginam. Não viveram aqui Villalobos, Machado, Drummond, Niemeyer, Portinari? E quantos países tiveram a honra de eleger presidente um sociólogo, PhD e tudo, ainda hoje ativo e faturando feitos acadêmicos, honorários ou não?

Uma mudança de qualidade
Era comovente, no passado recente, o esforço da presidência FHC para paparicar a banda desenvolvida do mundo - como se isso nos tornasse parte dela, com nossa respeitável bagagem intelectual. Clinton conseguiu dele, pelo telefone, o contrato do Sivam para a Raytheon. Bush não falava diretamente mas mandava bagrinhos tipo John Bolton exigir a cabeça de embaixadores como José Maurício Bustani.

Uma vez, ao desembarcar nos EUA, FHC deparou com anúncio de página inteira da indústria farmacêutica no Wall Street Journal acusando o Brasil de “pirata de patentes”. Prometeu dobrar o Congresso e aprovar a lei exigida pela indústria. Cumpriu. Depois veio a onda de privatizações, uma orgia romana. E o que resultou de tantos agrados? Elogios a ele na TV. De Barbara Walters, Lou Dobbs, essa gente.

Tem sido assim há décadas com governantes do que os EUA chamam de “países amigos” do continente. Hoje é diferente. O recado mudou. Passamos dos agrados com lamúrias ao realismo da cobrança, em outro tom. Quando o país faz o dever de casa, pode falar grosso - e questionar. E se passou a exercer papel relevante em fóruns internacionais e sua liderança política é respeitada, o quadro muda.

Ironia é bom mas não imprime
No salão Oval da Casa Branca, dia 14, Lula falou como um presidente que já tem o que mostrar no campo da energia alternativa - pois já começou a realizar uma das promessas do presidente dos EUA aos americanos na campanha. “Acho que o Brasil demonstra extraordinária liderança em biocombustíveis. Sou um grande admirador do que fez o presidente Lula para desenvolvê-los”, reconheceu Obama.

Lula foi franco. Disse não entender porque, quando o mundo está preocupado com mudanças climáticas e com as emissões de gases que causam o efeito estufa, são impostas tarifas ao combustível limpo, como o etanol brasileiro (não mérito apenas de seu governo, como observou, mas um trabalho de “30 anos de controle tecnológico e know-how nesse campo”).

Mesmo declarando admiração pela “liderança progressista” de Lula na América Latina e no mundo, Obama respondeu que a situação das tarifas sobre o etanol não mudaria da noite para o dia, mas pode ser resolvida na medida em que evolua a troca de idéias sobre o comércio. O que foi entendido por Lula como “um processo”, no qual outros países, aos poucos, vão somar-se ao esforço.

Volto à colunista do Times. Ironia é seu forte. Mas como ironia não imprime, ela acabou castigada nos comentários de leitores da versão online. Eles não acharam graça no ressentimento de Dowd (que tem olhos castanhos) contra os próprios irmãos, de olhos azuis. E ela ainda citou os abomináveis olhos azuis de Bush e Cheney (chamada a ratificar, a filha do ex-vice, Liz Cheney, alegou com humor ser a informação “classificada”).

Aqueles demônios da ganância
A colunista contou mais histórias sarcásticas. Mas a reação dos leitores foi implacável. Suspeitei da cor dos olhos deles, já que foram levados a ver um racismo abjeto nas palavras de Lula. “É uma referência aberta e direta à expressão racista ‘demônio de olhos azuis’. E ao dizê-lo ele sabia muito bem disso”, esbravejou Katherine, de Atlanta, num comentário elogiado por mais 29 leitores.

Havia muita irritação e mau humor nessa e em outras críticas ao suposto racismo de Lula. Estranhei. Que diabo, essa mesma elite branca (supostamente de olhos azuis) inventou a campanha contra os odiados “politicamente corretos”, horrorosamente favoráveis ao que é justo e honesto. Ela julga ter conquistado, entre outras coisas, o direito de usar expressões racistas ofensivas a negros, índios, asiáticos e minorias em geral.

De qualquer forma, foi sensato o comentário de B. Mull, da Califórnia, recomendado pelos editores do Times e por 184 leitores (até 7 da noite de domingo): “Por que é tão engraçado um operário, torneiro mecânico, ser presidente? Por que é tão divertido Lula dizer o que bilhões de pessoas pensam hoje? Aposto que não ia parecer piada se parentes de vocês estivessem morrendo de cólera porque em Nova York um banqueiro irresponsável decidiu brincar de roleta e falir o país deles.”

Blog do Argemiro Ferreira


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terça-feira, 24 de março de 2009

Greve geral paralisa França em defesa de emprego e renda


A segunda greve geral em menos de dois meses paralisa a França nesta quinta-feira (19). Os sindicatos reivindicam mais apoio ao emprego e ao poder de compra da população e as pesquisas indicam o apoio massivo do país aos grevistas. As mais de 200 manifestações previstas juntaram milhões de trabalhadores nas ruas, mas o governo avisou que não aumentará o pacote de ajudas às vítimas da crise e do desemprego.

No início do dia, as complicações já afetavam o sistema de transportes, obrigando o aeroporto de Orly a anular um terço dos vôos e os ferroviários a anunciarem uma adesão semelhante à da última greve. Os atrasos e complicações nos transportes estenderam-se às principais cidades.

Os trabalhadores da Caterpillar de Grenoble ocuparam a fábrica em protesto contra o anúncio da demissão de 733 trabalhadores e os mil trabalhadores da fábrica Continental em Clairoix, ameaçada de fechamento e que se tornou num dos símbolos da crise, desfilaram em protesto logo pela manhã.

A grande mudança em relação a anteriores protestos é o clima de apoio ao movimento que atravessa a sociedade. Numa sondagem publicada pelo jornal Liberation, 62% dos entrevistados (e 42% dos eleitores de Sarkozy) dizem-se "solidários" com a greve. Quando a pergunta é se os motivos justificam a greve, o apoio sobe para 78% (53% dos apoiadores do partido do governo).

A crise e o desemprego que afetou mais 90 mil franceses só em janeiro - o dobro do mês anterior - fizeram soar as campainhas de alarme na sociedade francesa. Depois da greve geral de 29 de janeiro, que juntou mais de um milhão nas manifestações de protesto, o governo Sarkozy apresentou um pacote de ajuda de 2,6 bilhões de euros, entre benefícios fiscais e medidas de apoio ao emprego. Mas na véspera do novo protesto, o governo de direita fez questão de dizer que não irá ampliar a ajuda às vítimas da crise. Mas o pacote é insuficiente para estabilizar a economia e o emprego, pelo que os sindicatos insistem em que não devem ser os trabalhadores a pagar a crise. Nas últimas semanas, a notícia da demissão de 555 trabalhadores da petrolífera Total, pouco depois da empresa ter apresentado lucros de 13,9 bilhões de euros, incendiou ainda mais os ânimos dos franceses e fez aumentar o apoio aos grevistas.

O protesto social não é exclusivo dos trabalhadores e mesmo entre estes, a novidade é a forte adesão do setor privado, tradicionalmente avesso às greves nacionais convocadas pelos sindicatos. Desta vez, os trabalhadores do setor automobilístico e de outras grandes empresas privadas vão engrossar ainda mais as manifestações. Também as faculdades francesas estão protestando há meses contra a reforma do ensino superior, com metade das universidades do país em greve nos últimos dias.

Os líderes da oposição de esquerda participam da manifestação de Paris, com o PS representado pelo presidente da Câmara, Bertrand Delanoe. Também Olivier Besancenot, do Novo Partido Anticapitalista, desfila junto dos carteiros de Hauts-de-Seine antes de se juntar ao cortejo do partido. A secretária-geral do PCF, Marie-George Buffet, e o líder do Partido de Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, estarão juntos na manifestação, tal como nas próximas eleições européias. A lista Europe-Ecologie, que junta Daniel Cohn-Bendit a José Bové, também integra o protesto desta quinta-feira.


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D. Hélder, irmãos dos pobres. Um testemunho no ano de seu centenário


Este ano se comemora o centenário do nascimento de D.Hélder Pessoa da Câmara, que nasceu em 7 de fevereiro de 1909 em Fortaleza, Ceará e faleceu no Recife, Pernambuco, em 27 de agosto de 1999. Desejo trazer meu testemunho de quem teve a felicidade de acompanhar alguns de seus passos, seja nos movimentos de juventude da Ação Católica, seja na sua atuação durante o Concílio Vaticano II.

Conheci D.Hélder Câmara de longe, na organização gigantesca do Congresso Eucarístico Internacional de 1955, em meio a toda uma imensa mobilização. Logo depois, convivi com ele na Ação Católica, de 1956 e 1958. Ele era o Assistente Geral da Ação Católica e eu fazia parte da equipe nacional da Juventude Universitária Católica. Aí acompanhei de perto o trabalho do Dom, como o chamávamos – ou Pe. Hélder –, no palácio São Joaquim, auxiliado pela maravilhosa e inesquecível secretaria Cecilinha e por uma equipe de devotadas auxiliares. Fui descobrindo aos poucos um D. Hélder humano, malicioso, político hábil, ouvindo e seguindo tudo, sem perder uma vírgula dos debates, através das pesadas pálpebras e olhos semicerrados.

Lá na sua terra natal, Ceará, no nordeste brasileiro, vivera, jovem sacerdote, a tentação da política e o equívoco de tantos cristãos daqueles tempos. Fez parte de um movimento de direita, a Ação Integralista Brasileira, no que considerou depois um pecado de juventude. Salvou-o a vinda ao Rio e a orientação e o apoio do Cardeal D. Sebastião Leme e do Presidente da Ação Católica, o grande leigo Alceu Amoroso Lima. Viveu uma experiência no Ministério da Educação, exorcizando-se da política direitista através da frieza do mundo burocrático. Ia rapidamente incorporar-se ao Rio de Janeiro, cidade aberta e acolhedora, com o entusiasmo de um velho carioca, guardando o inconfundível sotaque nordestino. Ainda o vejo, almoçando num daqueles típicos botequins da Glória, homem do bairro, gente da casa. Um dos bares ali ainda tem no menu, “filé à D.Hélder”.

Descobriu então os desequilíbrios terríveis do Rio e o mundo das favelas. Levou Monsenhor Montini, futuro Paulo VI, a conhecer o povão da favela Praia do Pinto, a dois passos do elegante Jockey Club, conjunto de barracos debruçados sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas. Começava seu trabalho na Cruzada São Sebastião, fruto de uma enorme sensibilidade para com o pobre concreto, correndo os riscos de um assistencialismo comum nos horizontes pastorais daquele tempo. Construiu um conjunto de moradias em terreno próximo à antiga favela.

Uma enorme contribuição à Igreja do Brasil: como indicado acima, foi ser Assistente Geral, ao final dos anos quarenta, da Ação Católica Brasileira. O velho modelo da A.C., calcada no esquema italiano, chegava ao seu esgotamento. A partir da experiência da JOC, com seu método ver-julgar-agir, surgiu, no bojo de uma enorme polêmica, a Ação Católica especializada, dividida por meios de vida. Apoiou o trabalho dos dirigentes e das dirigentes nacionais que pressionavam na direção mais ágil da especialização. Ali o então Pe. Hélder teve a companhia inestimável e a iniciativa segura de um grande amigo e companheiro, o Pe. José Távora, assistente da Juventude Operária Católica (JOC) – o “Eu”, como ele chamava, tanto se identificavam. Os estatutos da A.C. de 1950 introduziram definitivamente o novo esquema.

Durante todo esse tempo D. Hélder demonstrou uma enorme confiança nos leigos, em sua maioria jovens. Redigiu cartas, memorandos, textos, defendendo os membros das equipes nacionais dos movimentos frente a bispos recalcitrantes e temerosos. Quando a Juventude Universitária Católica (JUC), especialmente a partir de 1960, começou a receber toda sorte de críticas, escreveu, com seu estilo inconfundível, “informações objetivas sobre a JUC e o seu recente congresso nacional” onde, na sua qualidade de Assistente Geral da Ação Católica Brasileira e já nesse momento Secretário-Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), afirmava que “a JUC, longe de estar exorbitando ao tentar o esforço que vem tentando, está vivendo uma hora plena e merece o apoio e o estímulo do Episcopado” (agosto de 1960). Isso no momento em que a imprensa e os setores de direita se abalançavam contra esse movimento pioneiro e de vanguarda da Igreja. E isso é tanto mais significativo quanto era arcebispo-auxiliar do Cardeal do Rio de Janeiro, D. Jaime Câmara, extremamente reticente diante da JUC.

A partir de seu trabalho na Ação Católica construiu, em 1952, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da qual seria Secretário-Geral até 1964. Com a colaboração de D.José Távora, também arcebispo-auxiliar do Rio, e com várias ex-dirigentes da A.C., organizou o trabalho que João Paulo II proclamaria anos depois pioneiro e exemplo para o mundo. É muito significativo que uma organização episcopal tenha nascido a partir de uma experiência de movimentos de leigos. Em minhas visitas à CNBB, agora em Brasília, não deixo de lembrar que ela nasceu da prática anterior da Ação Católica e foi estruturada por ex-dirigentes dos movimentos, especialmente mulheres. Uma organização masculina e de bispos esquece facilmente sua origem de raízes leigas e a contribuição feminina.

Em 1955, durante o Congresso Eucarístico, D.Hélder participou de maneira decisiva da criação do Conselho Episcopal para a América Latina, o CELAM, onde teria marcada influência nos anos iniciais, com seu amigo chileno D. Manuel Larraín – D.Manuelito, como o chamava carinhosamente –, que nos anos 30, assistente dos universitários em seu país, discípulo de Maritain, sofrera ataques dos setores tradicionalistas e no momento era bispo de Talca.

Por seis meses, em 1963, juntamente com Lúcia, minha mulher, assessorei D. Hélder na preparação das sessões do Concílio Vaticano II. Com dificuldade traduzíamos e comentávamos os enormes parágrafos do que começou como o esquema XVII, depois esquema XIII e que finalmente levaria à Gaudium et Spes. Documento não previsto pelos organizadores do Concílio, esse texto, ponte fundamental com o mundo moderno, foi introduzido por pressão de cardeais e bispos centro-europeus e D. Hélder, assessorado em Roma pelo Pe.Lebret, tomou parte ativa nas negociações que o impuseram.

Durante o Concílio não apareceu na tribuna da sala conciliar. Entretanto, sua presença infatigável nos corredores, longas palestras com o Cardeal Suenens, o bispo belga Smedt e tantos outros, encontros e almoços na Domus Mariae, onde se hospedavam os bispos brasileiros, foram decisivos para os rumos abertos do Concílio. Ali organizou conferências para os bispos brasileiros e para um grande público, trazendo os melhores teólogos do momento. O Pe. José Oscar Beozzo no livro A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II, 1959-1965 ( Paulinas/ Educam, 2005) indica a importância das iniciativas de D.Hélder. Pela correspondência diária a seus amigos do Brasil, “a família do São Joaquim”, como indicava nas cartas, é possível reconstituir o Concílio, nos seus impasses iniciais, gestos de audácia e sua presença discreta mas eficaz. As cartas estão traduzidas ao francês pelas edições Cerf e em italiano em Bolonha pela equipe de Giuseppe Alberigo.

Com o Pe.Gauthier e vários bispos, redigiu um texto sobre a Igreja dos pobres, documento que antecipou o que seria, anos depois, na América Latina, a “opção preferencial”. Em novembro de 1965, pouco antes do fim do concílio, depois de uma eucaristia na catacumba de Domitila, ele e vários outros bispos redigiram o Pacto das Catacumbas, com treze pontos, desafiando “os irmãos no episcopado” a levarem uma vida de pobreza, numa Igreja “servidora e pobre”, rejeitando todos os símbolos ou privilégios do poder e colocando os pobres no centro de seu ministério pastoral. Foi um prenúncio do que anos mais tarde seria a Teologia da Libertação.

Dizem que por esse tempo ele teria proposto ao Papa entregar o suntuoso palácio do Vaticano à Unesco, como museu e monumento internacional, retirando-se para um ambiente mais modesto. “Il mio cardinalletto”, o teria chamado carinhosamente João XXIII. Nunca chegou ao cardinalato; seria talvez um dos cardeais “in pectore” a que se referiu uma vez o Papa? As cúrias temem os profetas e os poetas e ele era ambas as coisas.

Quando terminou o Vaticano II (1965) D. Hélder e D. Manuel Larraín pensaram em um encontro de bispos latino-americanos para aplicar na região os resultados do concílio. Foi a base do encontro de Medellín (1968) que, entretanto, não se limitou a uma simples adaptação, mas foi além, como aqueles criativos concílios regionais dos primeiros séculos da Igreja, colocando o pobre como sujeito do processo, denunciando o pecado social das estruturas latino-americanas e incentivando as comunidades eclesiais.

Aliás, D. Hélder ficou até certo ponto insatisfeito com os resultados do Vaticano II. Ali faltara uma centralidade do pobre. Na verdade, o Vaticano II fora um concílio influenciado principalmente pela realidade européia, abrindo corajosamente caminho, na Gaudium et Spes, para um diálogo com a modernidade. Terminado o mesmo, em conversações com Ivan Illich, indicou que era preciso começar a preparar um Vaticano III. Illich tinha uma equipe internacional no Centro Intercultural de Formação (CIF) em Cuernavaca e começou a pensar nisso. Por indicação de D. Hélder, em abril de 1965, fui com Lúcia minha esposa e os três filhos para o México e me integrei na equipe e em sua preocupação pelo futuro da Igreja e da América latina.

Já no começo de 1964, em carta para o leigo católico mais eminente, Alceu Amoroso Lima, eu falara da necessidade de um novo concílio. Em março desse ano Amoroso Lima me escreveu: “Mas você é um militante, um engajado e diz, muito bem, que está no grupo dos que já estão preparando o Vaticano III, com toda razão...eu não verei o III. Você talvez. Mas de qualquer modo, eu no meu canto de velho reformado, você na linha de combate, estamos realmente preparando os caminhos para o Cristo do século XXI, como o fizeram os 72 discípulos, que ele mandou, ‘dois a dois’ prepararem os caminhos do senhor” (carta de 8 de março de 1964, semanas antes do golpe de estado no Brasil). Na ocasião, Amoroso Lima tinha praticamente a idade que tenho hoje e posso repetir o que me escreveu: chegarei a ver um novo concílio?

Anos depois, em 1981, em carta a seu amigo Jerónimo Podestá, ex-bispo de Avellameda na Argentina, que deixara o episcopado e se casara, D. Hélder se referiu a alguns sonhos que tinha. Eis o segundo: a realização, no ano 2000, de um Concílio Jerusalém II. Nos Atos dos Apóstolos (capítulo 15) se descreve o encontro em Jerusalém onde Paulo abriu o cristianismo para os gentios, saindo de um âmbito mais estreito judeu-cristão. Quem sabe, penso eu, um Jerusalém II não seria o momento de uma perspectiva ecumênica e talvez de um diálogo interreligioso? E concluía D. Hélder na carta a Podestá: “Não me preocupa o fato de que o mais provável é eu assistir este concílio da casa do pai. De lá quero ajudar a que ele se realize.” Morreu em 1999, um ano antes do ano 2.000 e um novo concílio ainda não se realizou.

Ficou o sonho, que no Sínodo Europeu de 1999 foi retomado pelo Cardeal Martini e, desde então, por muitos outros. Martini voltou a esse tema e a outros desafios da Igreja hoje em seu Colóquios Noturnos em Jerusalém, de 2008, traduzido em várias línguas. Num livro de alguns anos, eu perguntava no título: Do Vaticano II a um novo concílio? Olhar de um cristão leigo sobre a Igreja (Loyola, 2004). Mais do que um concílio convocado às pressas, é preciso um amplo processo de preparação conciliar, para tratar de temas congelados na Igreja atual (sexualidade e reprodução, celibato obrigatório, ordenação de homens casados e de mulheres, etc.). Dom Hélder, com suas intuições, carisma e audácias abriu caminho que pastorais eclesiais e outros bispos pioneiros (Luciano Mendes de Almeida, Pedro Casaldáliga, Mendes Arceo, Leônidas Proaño...) foram lançando como sementes de renovação e que poderão frutificar no futuro.

Voltemos ao Brasil. Seguindo a trilha do antigo Cardeal do Rio de Janeiro, D.Sebastião Leme, D. Hélder foi um interlocutor permanente do governo nos anos do “pacto populista” (1950-1963). Com os bispos do nordeste, em 1956, incentivou o presidente Juscelino Kubitschek a criar a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Tentação de usar o poder da Igreja diante do poder do Estado? Seu contato permanente com o povo, os favelados, os leigos da Ação católica, o defenderiam da tentação palaciana e de cair nas malhas dos poderosos que o cortejavam com insistência e com interesse. Nos tempos do desenvolvimentismo do presidente Kubitschek, esteve tentado a pensar uma “pastoral do desenvolvimento”, para a qual chegou a tender o episcopado latino-americano, no começo dos anos 60, à sombra da Aliança para o Progresso e o receio da transformação cubana. Logo depois, uma “pastoral da libertação”, que se imporia em Medellín, em 1968, encaminhava a prática e a reflexão em outra direção, mais evangélica e certeira. Os textos de D. Hélder nessa ocasião passam das propostas do desenvolvimento às exigências da libertação. Aos poucos as últimas foram se fortalecendo e para isso concorreria a situação política do Brasil depois de 1964, durante o novo “pacto autoritário” dos governos militares(1964-1984), onde ele seria “a voz dos sem voz e dos sem vez”.

Desde vários anos atrás, sua relação de arcebispo-auxiliar do Cardeal do Rio de Janeiro era difícil, oscilante e ao mesmo tempo filial. Diferentes em quase tudo, o sentido pastoral e a humildade de D. Jaime Câmara, no fundo consciente de suas próprias limitações, permitiam a coexistência nem sempre fácil com aquele bispinho incômodo, irrequieto e tantas vezes incompreensível para o velho Cardeal. Mas essa situação não podia perdurar. Em plena crise social e política, no começo de março de 1964, foi nomeado arcebispo de São Luis do Maranhão, o que o afastaria, para a conveniência de muitos, do eixo geográfico do poder. Estava em Roma quando ocorreu a morte súbita de D. Carlos Coelho no Recife, e foi transferido imediatamente para a Sé de Olinda e Recife, sem ter chegado a tomar posse em São Luis. É fácil aquilatar a importância estratégica de Recife, verdadeira capital do subdesenvolvido nordeste, para seu trabalho pastoral a partir daqueles anos. Lá também chegara D. Leme no começo do século, anteriormente bispo auxiliar do Rio de Janeiro e para esta última cidade retornara anos depois como arcebispo e cardeal. Repetir-se-ia o mesmo itinerário desta vez, como muitos de nós esperávamos? Outros eram os tempos, sobretudo do ponto de vista político, no período militar que começava.

Haveria também que lembrar rapidamente sua amizade com o núncio apostólico D. Armando Lombardi, certamente o melhor de todos os núncios que tivemos no Brasil. Quantos bispos, responsáveis mais tarde pela renovação da Igreja brasileira, não tiveram sua indicação sugerida nos almoços semanais entre os dois amigos? Vários tinham sido assistentes da Ação Católica. Em maio de 1964, D. Armando morreria, perdendo talvez a Igreja um excelente Secretário de Estado, como sonhava D. Hélder.

D. Hélder chegou ao Recife, para tomar posse, logo depois do golpe de Estado de abril de 1964, numa situação tensa. O cardeal Motta, até então presidente da CNBB, fôra removido de São Paulo para o refúgio de Aparecida do Norte. O Secretário-Geral afastava-se também do Rio. Veio outro sucessor, D. José Gonçalves, de posições conservadoras e bastante burocráticas. Começava um sutil remanejamento na CNBB, no que Charles Antoine chamou “a Igreja na corda-bamba”. Esse retrocesso foi interrompido felizmente anos depois, com a crise Igreja-Estado. Novas diretorias, com D. Aloísio Lorscheider e D. Ivo Lorscheiter enfrentariam o governo militar com valentia e recolocariam a CNBB no centro da defesa dos direitos humanos.

Seu discurso de posse no Recife foi claro e incisivo em sua opção pelos mais pobres, pela justiça social e pela liberdade. Mal recebido pelos poderosos, teve o carinho do povo simples que logo o compreendeu. Nesses primeiros anos em Recife, começo da ditadura, acolheu perseguidos políticos, visitou prisões e levantou sua voz de protesto. Os militares não se animaram a prendê-lo, mas torturaram e mataram um de seus sacerdotes mais próximos, o Pe. Henrique Pereira Neto, assistente dos jovens na diocese. Seu corpo, terrivelmente mutilado, foi encontrado num campo da periferia. D. Hélder sofreu muito e sentiu que era a ele que queriam atingir através do Pe. Henrique. Por esse tempo, Gustavo Gutiérrez terminava seu livro clássico Teologia da Libertação e a dedicatória foi a esse sacerdote-mártir.

D. Hélder, fiel ao pacto das catacumbas deixou o Palácio de São José de Manguinhos e foi morar nos fundos de uma velha igreja, a Igreja das Fronteiras, em dois cômodos, sozinho e sem proteção. Lá o iria ver, numa noite escura, um rude sertanejo que lhe entregou, chorando, a faca com que tinham encomendado sua morte. Hoje ali está o Instituto D. Hélder Câmara, onde se conservam seus objetos pessoais e farta documentação.

Surgiam às vezes comentários com respeito às ausências de D.Hélder. Ele trazia a inquietude e a “solicitude de todas as Igrejas” do apóstolo Paulo, itinerante entre Éfeso, Roma, Tessalônica e Corinto. As dioceses nasceram à sombra da estrutura feudal de uma Idade Média imobilista e de poucas comunicações. Eram espaços quase estanques por séculos, ligados ao centro da Cidade Eterna. Mais recentemente, tem buscado coordenar-se regional e nacionalmente e foi aliás D. Hélder, como vimos, um dos primeiros a compreender essa necessidade, na CNBB e no CELAM. Um homem irrequieto como nosso bispo cabia mal dentro do velho esquema territorial e administrativo. Sua retaguarda era coberta com eficiência e dedicação por seu bispo-auxiliar D.José Lamartine Soares, com quem trabalhara desde os tempos da Ação Católica no Rio de Janeiro, onde este fora assistente nacional da Juventude Estudantil Católica Feminina. Deveriam criar-se, talvez, bispos-itinerantes, peregrinos, mais próximos dos profetas do que dos guardiães do templo, anunciando a Boa-Nova pelos caminhos do mundo. Talvez inclusive isso não correspondesse tanto ao episcopado, mas a outra função eclesial e/ou eclesiástica. O monge Hildebrando, antes de ser o Papa Gregório VII, fora um grande viajante desse tipo.

D. Hélder, na Mutualité em Paris, em Nova Iorque ou em Tóquio, supria com seu carisma as deficiências lingüísticas e nas imprecisões da sintaxe criava uma semântica completada pelo olhar, a entoação e os gestos. Um jornalista uruguaio, Hector Borrat, assim o viu em Nova Iorque em 1969: “um entusiasmo vital que se derrama avassalador sobre os outros, uma soberana liberdade para expressar-se além do maior ou menor conhecimento do inglês, com os tons da voz e do olhar, com as mãos, com todo o corpo; um fabuloso histrionismo ao serviço das convicções mais profundas” (revista Marcha, 7 de fevereiro de 1969).

No exterior e no Brasil dos militares o consideravam um bispo radical e “vermelho”, o que realmente não era. Não havia que esperar dele os discursos políticos, mas os gestos que libertavam. Sua prática internacional e suas intuições iam além, muito mais longe das idéias e das ideologias, mesmo de suas decisões de pastor local.

Várias intuições são enormemente ricas e férteis e merecem ser retomadas. Um exemplo o indica: sua idéia das “minorias abraâmicas”. Ele, que lidou com governos, planos pastorais de emergência e de conjunto, descobriu a fecundidade que vem de baixo, dos grupos inovadores. Não são um “resto” ao lado do povo e à margem da história, mas os próprios e reais protagonistas da história que virá, os que fazem as experiências dinâmicas portadoras de futuro, o fermento capaz de transformar. Minorias com a “força histórica” dos pobres a que se refere com insistência Gustavo Gutiérrez, ligadas e em função de um trabalho de massas. E que no fundo expressam, congregam e organizam as grandes maiorias do povo oprimido e emergente.

D.Hélder repetiu mais de uma vez que era preciso fazer com algumas intuições marxistas o que Santo Tomás fizera com o pensamento “ateu” de Aristóteles. Na assembléia da CNBB teve sempre uma intervenção na hora oportuna e precisa, maliciosa e imaginativa, com que apoiou francamente as inovações, convencia os indecisos com o peso de sua autoridade e deixava sem argumento os conservadores e os tradicionalistas.

Deus lhe deu um organismo franzino e resistente. Precisava pouquíssimo – sono, comida –, realizava muito. Suas madrugadas longas e fecundas eram povoadas de meditação, leituras, muita oração, redação de cartas, textos e poemas. Poeta quase inédito – o Pe. José, como assinava quase sempre – deveria um dia ter publicados seus versos. Sua correspondência, por ocasiões praticamente diária, reproduz muito da caminhada da Igreja no Brasil. Constitui um arquivo inestimável.

Os meios de comunicação do Brasil, pelos anos da censura e da repressão, baniram sua imagem. Prescrição vinda por decreto, único argumento do arbítrio. Foi censurado em sua própria rádio diocesana. Durante a ditadura seu nome era proibido de ser mencionado. Era como se não existisse. Mas sempre esteve presente entre o povo simples e na opinião pública mundial, onde foi se tornando quase um mito. Um dia, aqui no país, tiveram que levantar o embargo. E durante a visita do Papa ficou patente o carinho do povo e de João Paulo II, que o abraçou dizendo: “D.Hélder, irmão dos pobres e meu irmão”. Seu nome foi quatro vezes indicado para o Prêmio Nobel da Paz, de 1970 a 1973. As embaixadas brasileiras em Estolcomo e em Oslo foram acionadas e jornalistas conservadores internacionais pressionaram fortemente para que não o elegessem. Numa das vezes (1973) foi preterido por Henri Kissinger...Foi “doutor honoris causa” em muitas universidades e recebeu inúmeras premiações internacionais.

Aposentou-se em julho de 1985, mas continuou morando no Recife, nos fundos de sua igreja. Seu sucessor, D. José Cardoso Sobrinho, tudo fez para destruir sua obra diocesana. Sofreu em silêncio e seguiu tendo uma forte presença internacional. Com uma imaginação sempre fértil, escreveu, em parceria com um compositor suíço, sua Sinfonia dos dois mundos. Acalentava um desejo que não chegou a realizar: produzir um circo para, em linguagem simples e alegre, dirigir-se aos setores populares e aos jovens.Em 1983, preparou um texto para o coreógrafo Maurice Béjart, que foi a base do balé Missa para o tempo futuro.

Foram várias décadas fecundas e enormemente criadoras. Podemos alegrar-nos de seu passado como padre e como bispo, servindo sempre, tantas vezes abrindo caminhos, apoiando, animando, olhando para a frente com uma invejável confiança. Belas recordações de D.Hélder se encontram no livro do monge Marcelo Barros, Dom Hélder Câmara. Profeta para os nossos dias (editora Rede da Paz, 2006). Excelente seleção de textos seus foi publicada por José de Broucker em Les nuits d’um prophète (ed. du Cerf, 2005). Uma biografia completa foi realizada por Nelson Piletti e Walter Praxedes, Dom Hélder Câmara, entre o poder e a profecia (editora Ática, 1997). José Oscar Beozzo, pelo Centro Alceu Amoroso Lima pela Liberdade, recolheu fotos e documentos de uma exposição itinerante criada em Paris pela Société des Amis de D. Hélder Câmara: Dom Hélder: memória e profecia (CAALL/Educam, 2009).

Alguns criticaram seu prestígio internacional e falaram, com uma ponta de ciúme, de vedetismo. Não percebiam o que ele realizava como serviço, “diakonia”, à Igreja universal. Mais, muito mais que bispo de Olinda e Recife, foi bispo de um vasto mundo sem fronteiras. Era sinal de uma Igreja que tem muito a anunciar nestes tempos de transição e crise onde, mais importantes do que os programas, são os gestos libertadores e a voz dos profetas clamando com força e anunciando mundos novos carregados de esperança. Deus nos trouxe D. Helder por muitos anos, dirigindo-se, com a palavra quente e o gesto significativo, aos pobres de todos os quadrantes, para anunciar a Boa Nova.

(*) O autor é sociólogo, antigo dirigente da Ação Católica, ex-funcionário das Nações Unidas (CEPAL e FAO), assessor de movimentos sociais e pastorais e Diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Candido Mendes.


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segunda-feira, 16 de março de 2009

Lyra fala de Ulysses. SP só pensa em SP


Fernando Lyra lança hoje em Recife o livro “Daquilo que eu Sei – Tancredo e a transição democrática”.

. Clique aqui para ler “São Paulo só pensa em São Paulo”

. “Uma pérola do caráter de Fernando Henrique”

. E “Tancredo queria ver Serra longe”

. Lyra conta dois episódios que reforçam a tese de que São Paulo só pensa em São Paulo e envolvem a excelsa figura paulista de Ulysses Guimarães.

. No primeiro, página 83, os “autênticos” do MDB, como Lyra, tinham combinado – com Ulysses – que iam fingir lançar um anti-candidato a presidente da República.

. Para dar aos militares a sensação de que haveria uma disputa – que os militares venceriam, é claro – e, na última hora, retirar a candidatura para desmoralizar o sistema eleitoral vigente.

. Tudo certo ?

. Tudo certo.

. Ulysses de acordo ?

. Sim, Ulysses de acordo.

. Em cima da hora, quando Ulysses vê a falsa candidatura de Barbosa Lima Sobrinho – um ilustre pernambucano - se firmar, corre e se lança ele candidato.

. E candidato fica até o fim …

. E legítima a eleição de Ernesto Geisel.

. Outro episódio da série São Paulo só pensa em São Paulo.

. Ulysses era presidente da Câmara (pág. 187).

. Segundo a Constituição, não podia se reeleger.

. Fernando Lyra tinha saído do Ministério do Governo Sarney (a pedido de Ulysses).

. Voltou à Câmara e se candidatou a Presidente da Câmara.

. Sem Ulysses, teria muita chance.

. Ulysses pediu um parecer à Comissão de Justiça da Câmara.

. O parecer foi claro: Ulysses não podia se reeleger.

. Ulysses rasgou a Constituição e se reelegeu Presidente.

. Raymundo Faoro, em “A Democracia Traída”, com edição de Maurício Dias, também trata desse momento edificante da carreira de Ulysses.

. É tal coisa: São Paulo só pensa em São Paulo …


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Por que FHC chama Protógenes de amalucado ?

Saiu na coluna Painel da Folha (*), onde Zé Pedágio e os tucanos merecem tratamento VIP:

“Em entrevista ao programa ‘É noticia’, que a Rede TV exibe amanhã à meia noite, FHC usou o adjetivo ‘amalucado’ quando chamado a definir Protogenes Queiroz.”

O Farol de Alexandria chama o ínclito delegado Protógenes Queiroz de ‘amalucado’ por um motivo muito simples.O ínclito delegado Protógenes Queiroz só não pediu a prisão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, porque o Banco Central se recusou a enviar os dados de que precisava numa investigação de atos do Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso.

O Ministro participou de uma falcatrua de conversão de papéis da dívida externa, em que o beneficiário foi o Banco PNB-Paribas.

Interessante, não amigo navegante: por que será “BNP-Paribas” ?

Isso tem …O delegado Protógenes conhece muito bem essa história e pode recontá-la, por exemplo, no depoimento que der, primeiro de abril, na CPI do Marcelo Lunus Itagiba.

Outro tópico interessante desse depoimento poderia ser o ‘amalucado’ explicar como localizou a conta do Instituto FHC no banco Opportunity, de Daniel Dantas.

É, esse Protógenes é um maluco !

Paulo Henrique Amorim


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Esquerda vence eleição presidencial em El Salvador


Com o lema “Nasce a esperança”, o jornalista Mauricio Funes venceu as eleições de El Salvador e será o novo presidente do país. Representante da esquerda, sua vitória encerra 20 anos de hegemonia das forças conservadoras.

Funes recebeu 51,2% dos votos, contra 48,7% o candidato governista, Rodrigo Avila. A vantagem foi de pouco mais de 62.000 votos, segundo o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE).

Assim que o resultado se consolidou, Ávila, da Aliança Republicana Nacionalista (Arena), reconheceu a derrota, na eleição mais dura enfrentada por seu partido, que governava El Salvador desde 1989. Funes, candidato de oposição pela Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional, (FMNL) representou a mudança para o povo salvadorenho, que foi às ruas comemorar.

''Como presidente eleito de todos os salvadorenhos e salvadorenhas, buscarei beneficiar a maioria da população, independentemente de suas preferências políticas. Saudação a meus adversários com respeito'', declarou o presidente eleito, em seu primeiro discurso após ganhar a disputa. Funes falou em hotel de San Salvador, ao lado da esposa Wanda Pignato, de origem brasileira e representante do Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil para a América Central.

''Neste dia, triunfou a cidadania que acreditou na esperança e venceu o medo. Esta é uma vitória de todo o povo salvadorenho'', afirmou. ''Esta noite deve ter o mesmo sentimento de esperança e reconciliação que tornou os acordos de paz possíveis. Hoje firmamos um novo acordo de paz, de reconciliação do país consigo mesmo. Por isso, convido a todas as forças sociais e políticas para que construirmos um futuro juntos'', afirmou o novo presidente.

Funes prometeu trabalhar ''incansavelmente'' pelo regime de liberdades. “Nosso propósito é converter El Salvador na economia mais dinâmica da América Central'', declarou.

As ruas da capital foram tomadas por partidários do presidente eleito e de seu vice, o ex-comandante da FMLN Salvador Sánchez Cerén, para celebrar a vitória considerada histórica. O triunfo da FMLN veio na quarta tentativa de conquistar o poder depois de 1992, quando a organização se transformou em um partido político, ao fim de 12 anos de guerra civil.

O TSE e os observadores internacionais ressaltaram a normalidade da eleição no país, que segundo dados ainda não oficiais teve uma participação de 60% dos 4,3 milhões de eleitores registrados. O processo eleitoral, contudo, teve denúncias de irregularidades. Observadores informaram que vários cidadãos estrangeiros tentaram votar com identificação falsa. Na semana que antecedeu o pleito, a FMLN alertou para o fato.

Desafios do novo presidente
Violência. El Salvador tem a taxa mais alta de mortes violentas da América Latina devido à ação dos maras ou pandillas (gangues juvenis armadas). Mas os números vem baixando: em 2008 foram registrados 3.179 homicídios, menos do que em 2006, que teve 3.928 mortes.

Pobreza. Afeta 37% da população. Cerca de 10% se encontra abaixo da linha da pobreza. A taxa de analfabetismo em 2005 era de 18,9%.

Crescimento. O PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 3,2% em 2008, e a inflação, 5,5%. As exportações se concentram nas manufaturas e no café e a balança comercial apresenta déficit de US$ 5,2 milhões.

Dependência dos Estados Unidos. O país norte-americano é o principal sócio comercial e receptor de mais de 2,5 milhões de imigrantes salvadorenhos. As remessas que estes enviam se converteram na segunda fonte de subsistência do país (17% do PIB) atrás dos serviços (60%).


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sábado, 14 de março de 2009

Mercado ou direitos?

A atitude da direção da Embraer, independentemente de eventuais desdobramentos futuros, de despedir 4 mil trabalhadores, coloca questões de fundo para o Brasil. Em primeiro lugar, o direito ao emprego, que não pode estar subordinado aos vaivens do mercado. Em segundo lugar, coloca a vulnerabilidade de empresas que centram sua produção no mercado externo.

O direito ao emprego formal é um direito fundamental, que tem a ver não apenas com a garantia de subsistência da grande maioria da população - que vive do seu trabalho. Tem a ver também com a identidade, com a cidadania, com a auto estima, com a possibilidade de organização, de apelo à justiça. Enfim, é um direito essencial, embora as constituições costumem colocá-lo em um lugar subalterno, por exemplo, em relação ao direito de propriedade. Este aparece como um direito essencial, quando na verdade se refere, ao direito de minorias de ter propriedade de grandes empresas, grandes extensões de terra, grandes propriedades imobiliárias e acumular riquezas através delas.

Empresas, como a Embraer, que tiveram enormes lucros nos anos recentes, que se valeram de empréstimos de bancos públicos – como o BNDES -, aproveitam da virada da conjuntura econômica para jogar todo o peso da crise nas costas dos trabalhadores. Alegam a retração do mercado internacional, mas isso ocorre porque não trataram de diversificar seu mercado, seja dentro do Brasil, seja nos países vizinhos.

Não deve haver empréstimos de bancos públicos, isenções tributárias ou quaisquer vantagens para empresas privadas que não tenham, pelo menos, como contrapartida, a garantia do nível de emprego. O enfrentamento é central no neoliberalismo: entre mercado versus direito. O neoliberalismo é uma máquina de expropriação de direitos: transforma o que era direito – como educação e saúde pública – em mercadoria, a que tem acesso quem tem recursos para comprar. Faz o mesmo com o direito ao trabalho, que passa a depender da arbitrariedade das empresas, dos lucros e do plano de investimentos destas.

A chamada “flexibilização laboral” – um dos xodós do governo FHC – representa a precarização das relações de trabalho, em que o capital contrata quando bem entende, da forma que consiga, por períodos determinados, a um contingente de trabalhadores, sem precisar pagar-lhes indenização quando os despede. Em que, direta ou indiretamente, os trabalhadores perdem o contrato de trabalho, os direitos de um vinculo empregatício regido por normas formais, regidas pela Justiça do Trabalho, a que os trabalhadores possam apelar na defesa dos seus direitos. A essa situação o neoliberalismo relegou a maioria dos trabalhadores dos nossos países.

Um dos aspectos mais positivos do governo Lula foi o aumento crescente dos empregos formais, que restabelecem o trabalhador como cidadão, isto é, como sujeito de direitos, mesmo se em grande proporção sejam empregos sem maior qualificação. Evita-se o pior, que é o abandono, a incerteza absoluta, a ausência total de cobertura jurídica e a impossibilidade de se organizarem.

Porém, especialmente em momentos de crise econômica, as contradições se acirram. As empresas querem dispor do direito de desempregar os trabalhadores, sem nenhum respeito ao direito destes. Se consideram vítimas da crise e tratam de repassar o ônus aos trabalhadores, quando acumularam riqueza em grande quantidade no momento de expansão da economia, sem compartilhá-la com os trabalhadores. Querem dividir os ônus, sem ter dividido os bônus.

É um momento de definição na luta pela apropriação do excedente, da mais valia dos trabalhadores e da defesa por parte destes dos seus direitos. Se estreita a base material, a riqueza produzida, quem pode mais chora menos – como diz o ditado popular. O governo tem que tomar posição do lado dos direitos dos trabalhadores e não da busca ilimitada de lucros por parte das grandes empresas. Tem que condicionar em todos os ramos que sejam possíveis a produção para o mercado interno, seguir com os processos de distribuição de renda, que induzem o consumo interno dos bens e serviços produzidos.

O que está em jogo é a prioridade dos direitos – que afetam a massa da população, como o direito ao emprego formal – ou o reinado do mercado, que só leva à concentração de renda e às crises, como esta, produzido no centro do capitalismo e tornada global por seus efeitos. Mostrar que estamos em melhores condições que outros países para resistir a ela, é também mostrar que sabemos defender melhor os direitos da massa trabalhadora, que produz as riquezas do país.

Postado por Emir Sader às 13:05


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El Salvador: eleições decisivas

El Salvador foi sempre o país mais dinâmico economicamente de toda a América Central, apesar da ser o menor país continental – daí o seu apelido de Pequeno Polegar. Seu crescimento, porém, não deixou de ser fortemente brecado pela passagem do capitalismo internacional de seu ciclo longo expansivo –do segundo pós-guerra até meados dos anos 70 -, ficando mais duramente vítima dos mercados externos para a exportação dos seus produtos primários.

Enquanto o México se acoplava ao Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) – decisão que explica por que o país é a pior vítima da recessão atual, por se tornar refém da economia norte-americana – e a maior parte dos países da América do Sul se acolhia a projetos de integração regional, a região centro-americana ficou órfã, uma zona deprimida economicamente e dependente do mercado dos EUA.

El Salvador e Guatemala tiveram fortes movimentos guerrilheiros, em seguida à vitória sandinista na Nicarágua, porém o governo Reagan impediu que o “efeito dominó”, que havia levado a que os regimes do Laos e o Camboja caíssem junto com o do Vietnã, se repetisse na América Central. Com o fim da URSS e, com ela, do mundo bipolar, os movimentos guerrilheiros terminaram a luta insurrecional e se reciclaram para a luta político institucional. A Frente Farabundo Marti para a Libertação Nacional, organização composta por quatro movimentos guerrilheiros mais o Partido Comunista, assinou acordos de paz e passou a atuar como partido político.

El Salvador foi um dos países – junto com o Equador, além do Panamá, que nunca teve moeda própria – que aderiu à dolarização. Desde então o país não se recuperou do que significa renunciar a ter uma política monetária própria, sofrer a subida drástica de todos os preços, menos dos salários, entre outras conseqüências negativas, o que acentuou dramaticamente a imigração de salvadorenhos para os EUA – assim como aconteceu com os equatorianos para a Espanha.

A Frente Farabundo Marti conseguiu eleger grandes bancadas, quase majoritárias, no Parlamento, e a maioria dos prefeitos. Governou durante quatro mandatos a capital, São Salvador, tendo perdido este ano a prefeitura. Teve sempre candidatos à presidência, que quase venceram em eleições anteriores.

Desta vez escolheram como candidato, pela primeira vez, alguém que não é membro da Frente: Mauricio Funes, um jornalista muito conhecido em todo o país. Todas as pesquisas indicam sua vitória provável no próximo dia 15.

No entanto, alguns obstáculos podem impedi-la. Os outros dois candidatos da direita retiraram suas candidaturas para apoiar o candidato do governista partido Arena, um ex-chefe da Policia Federal, diante do risco de vitória da esquerda. Nas mesas de apuração existem três representantes dos partidos de direita e um da Frente, com grandes riscos de fraude. Em terceiro lugar, procedimentos absurdos como, por exemplo, o de que a lista de votantes não é por localidades, mas por ordem alfabética, fazendo com que numa mesma família as pessoas tenham que se deslocar grandes distâncias para votar, com conseqüências evidentemente discriminatórias contra as famílias pobres, em que Funes e a Frente tem maioria de eleitores.

Caso triunfe a Frente, muda a relação de forças política na região centro-americana, em que começam a surgir governos que destoam das políticas de livre comércio, como o polêmico governo de Daniel Ortega, na Nicarágua, e o de Rafael Zelaya em Honduras – governos que aderiram à Alba – e que teria no de Funes um perfil mais claramente progressista em uma região até recentemente sob influência exclusiva dos EUA e do seu aliado privilegiado, o México.

Postado por Emir Sader às 07:27


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As mulheres da Via Campesina realizaram protestos em cinco estados nesta segunda-feira (9). No Rio Grande do Sul, elas ocuparam área de uma papeleira e destruíram mudas de eucalipto. Em São Paulo, foi ocupada uma área em Barra Bonita, que pertence a uma usina. No Paraná, as trabalhadoras rurais marcharam em Porecatu até a praça da cidade, onde "partilharam alimentos da reforma agrária".

Em Brasília, cerca de 600 mulheres ocuparam o andar térreo do Ministério da Agricultura. Segundo a porta-voz do movimento Itelvina Masioli, o grupo não pretende se encontrar com o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. "Viemos apenas denunciar o modelo de sustentação do agronegócio, que tem como base as empresas multinacionais", afirmou. Mas a principal reivindicação em Brasília foi contra a determinação do Ministério Público do Rio Grande do Sul em fechar as escolas itinerantes em acampamentos mantidos pelo MST o que é, na avaliação do movimento, apenas a ponta de um iceberg que acumula uma rede de ações criminalizantes que tentam “dissolver” o Movimento no estado.

As camponesas, então, ocuparam a Fazenda Aroeira (antiga Fazenda Ana Paula), do Grupo Votorantim. Deixaram o local em uma marcha que reuniu cerca de 700 mulheres. Líderes sindicais, representantes da Via Campesina, do MST e políticos estavam reunidos com a Brigada Militar ao meio-dia para decidir os rumos da manifestação. Segundo presentes, havia um clima de tensão no local. Na Fazenda Aroeira, as manifestantes derrubaram mudas de eucaliptos em uma área de aproximadamente dois hectares, usando foices e facões. A fazenda tem uma área total de 14,5 mil hectares, com 7,5 mil hectares plantados, somente com eucaliptos e é historicamente reivindicada para reforma agrária.

No Espírito Santo o alvo foi um porto de exportações em Aracruz. Segundo a nota, as mulheres entraram no porto, fizeram um ato com a destruição da produção de eucalipto e saíram da área. Ato teria contado com 1,3 mil pessoas no protesto no Portocel. "O objetivo da ação é denunciar a concentração de terras da empresa, que são usadas para plantio de eucalipto para exportação, prejudicando a soberania alimentar; e o repasse de recursos públicos do Estado para essa multinacional, o que tem aumentado ainda mais com a crise mundial".

As manifestações pelo Dia Internacional da Mulher aconteceram também em Recife, num protesto que terminou em confronto com policiais militares de Pernambuco e um sem-terra preso na manhã desta segunda. A ação da Via aconteceu em frente à Usina Cruangi onde no início do ano o Ministério do Trabalho retirou dos engenhos 252 trabalhadores, entre eles 27 menores que estavam em situação degradante. As camponesas pretendiam ocupar o pátio da usina, mas foram impedidas por soldados da PM que fizeram um cordão para evitar a passagem. Um militante do MST foi levado para a delegacia do município de Aliança, a 85 quilômetros de Recife, por pichar um dos muros da usina. Homens e mulheres do MST não aceitaram a prisão do integrante do movimento e entraram em choque com a polícia.

Todas as ações protagonizadas pelas mulheres da Via Campesina fazem parte da Jornada Nacional de Luta das Mulheres da Via Campesina e pretendem denunciar as conseqüências da monocultura do eucalipto em diversas regiões do Brasil, onde, em muitas áreas, dizem, já falta água para o consumo humano e para a criação de animais. A preocupação se estende a operações de especulação financeira ministradas por empresas de celulose.

Em nota, as mulheres explicaram as ações:

“Depois de especular contra a moeda brasileira e ter prejuízos com a crise financeira, a Votorantim Celulose e Papel recebeu R$ 6,6 bilhões do governo brasileiro para adquirir a Aracruz Celulose, através da compra de metade da carteira do Banco Votorantim e de um empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O custo da compra foi de R$ 5,6 bilhões. A VCP havia prometido gerar 30 mil empregos no estado e mesmo recebendo recursos e isenções fiscais dos governos federal, estadual e de municípios, a Aracruz causou a demissão de 1,2 mil trabalhadores em Guaíba, entre trabalhadores temporários e sistemistas, e a VCP outros 2 mil trabalhadores na metade sul. O agronegócio foi o segundo setor que mais demitiu com a crise financeira. Apenas em dezembro, o agronegócio demitiu 134 mil pessoas em todo país”.



Fotos: Eduardo Seidl


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A grande mídia e o golpe de 64

No debate contemporâneo sobre a relação entre história e memória, argumenta-se com propriedade que a história não só é construída pela ação de seres humanos em situações específicas como também por aqueles que escrevem sobre essas ações e dão significado a elas. Sabemos bem disso no Brasil.

Ao se aproximar os 45 anos do 1º de abril de 1964 e diante de tentativas recentes de revisar a história da ditadura e reconstruir o seu significado através, inclusive, da criação de um vocabulário novo, é necessário relembrar o papel – para alguns, decisivo – que a grande mídia desempenhou na preparação e sustentação do golpe militar.

Referência clássica
A participação ativa dos grandes grupos de mídia na derrubada do presidente João Goulart é fato histórico fartamente documentado. Creio que a referência clássica continua sendo a tese de doutorado de René A. Dreifuss (infelizmente, já falecido), defendida no Institute of Latin American Studies da University of Glasgow, na Escócia, em 1980 e publicada pela Editora Vozes sob o título “1964: A Conquista do Estado” (7ª. edição, 2008).

Através das centenas de páginas do livro de Dreifuss o leitor interessado poderá conhecer quem foram os conspiradores e reconstruir detalhadamente suas atividades, articuladas e coordenadas por duas instituições, fartamente financiadas por interesses empresariais nacionais e estrangeiros (“o bloco multinacional e associado”): o IBAD, Instituto Brasileiro de Ação Democrática e o IPES, Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais.

No que se refere especificamente ao papel dos grupos de mídia, sobressai a ação do GOP, Grupo de Opinião Pública ligado ao IPES e constituído por importantes jornalistas e publicitários. O capítulo VI sobre “a campanha ideológica”, traz ampla lista de livros, folhetos e panfletos publicados pelo IPES e uma relação de jornalistas e colunistas a serviço do golpe em diferentes jornais de todo o país. Além disso, Dreyfuss afirma (p. 233):

O IPES conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião pública. Através de seu relacionamento especial com os mais importantes jornais, rádios e televisões nacionais, como: os Diários Associados, a Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo (...) e também a prestigiosa Rádio Eldorado de São Paulo. Entre os demais participantes da campanha incluíam-se (...) a TV Record e a TV Paulista (...), o Correio do Povo (RS), O Globo, das Organizações Globo (...) que também detinha o controle da influente Rádio Globo de alcance nacional. (...) Outros jornais do país se puseram a serviço do IPES. (...) A Tribuna da Imprensa (Rio), as Notícias Populares (SP).

Vale lembrar às gerações mais novas que o poder relativo dos Diários Associados no início dos anos 60 era certamente muito maior do que o das Organizações Globo neste início de século XXI. O principal biógrafo de Assis Chateaubriand afirma que ele foi “infinitamente mais forte do que Roberto Marinho” e “construiu o maior império de comunicação que este continente já viu”.

A visão do USIA
Há outro estudo, menos conhecido, que merece ser mencionado. Trata-se de pesquisa realizada por Jonathan Lane, Ph. D. em Comunicação por Stanford, ex-funcionário da USIA, United States Information Agency no Brasil, publicado originalmente no Journalism Quarterly, (hoje Journalism & Mass Communication Quarterly), em 1967, e depois no Boletim n. 11 do Departamento de Jornalismo da Bloch Editores, em 1968, (à época, editado por Muniz Sodré) sob o título “Função dos Meios de Comunicação de Massas na Crise Brasileira de 1964”.

Lane enfatiza a liberdade de imprensa existente no país e a pressão exercida pelo governo sobre os meios de comunicação utilizando os recursos a seu dispor (empréstimos, licenças para importação de equipamentos, publicidade, concessões de radiodifusão e “recursos de partidos comunistas”). A grande mídia, no entanto, resiste, até porque “o governo não é a única fonte de subsídio com que contam os jornais. Existem outras, interesses conservadores, econômicos e políticos que controlam bancos ou dispõem de outros capitais para influenciar os jornais” (p. 7).

O autor, curiosamente, não menciona o IBAD ou o IPES e conclui que as ações do governo João Goulart e da “esquerda” retratadas nos meios de comunicação provocaram um “desgaste da antiga ordem baseada na hierarquia e na disciplina” que se tornou “psicologicamente insuportável” para os chefes militares e para a elite política, levando, então, ao golpe.

O artigo de Lane, no entanto, traz um importante conjunto de informações para se identificar a atuação da grande mídia. Tomando como exemplo a cidade do Rio de Janeiro - “o centro de comunicações mais importante” – afirma:

“Apesar das armas à disposição do governo, Goulart passou um mau bocado com a maior parte da imprensa. A maioria dos proprietários e diretores dos jornais mais importantes são homens (e mulheres) de linhagem e posição social, que freqüentam os altos círculos sociais de uma sociedade razoavelmente estratificada. Suas idéias são classicamente liberais e não marxistas, e seus interesses conservadores e não revolucionários” (p. 7).

No que se refere aos jornais, Lane chama atenção para a existência dos “revolucionários”, de circulação reduzida, como Novos Rumos, Semanário e Classe Operária (comunistas) e Panfleto (Brizolista). O mais importante jornal de “propaganda esquerdista” era Última Hora, “porta-voz do nacionalismo-esquerdista desde o tempo de Vargas”. Já “no centro, algumas apoiando Jango, outras censurando-o, estavam os influentes Diário de Notícias e Correio da Manhã”. E continua:

“Enfileirados contra (Jango) razoavelmente e com razoável (sic) constância, encontravam-se O Jornal, principal órgão da grande rede de publicações dos Diários Associados; O Globo, jornal de maior circulação da cidade; e o Jornal do Brasil, jornal influente que se manteve neutro por algum tempo, porém opondo forte resistência a Goulart mais para o fim. A Tribuna da Imprensa, ligada ao principal inimigo político de Goulart, o governador Carlos Lacerda, da Guanabara (na verdade, a cidade do Rio de Janeiro), igualmente se opunha ferrenhamente a Goulart” (pp. 7-8).

Quanto ao rádio e à televisão, Lane explica:

“Cerca de metade das estações de televisão do país são de propriedade da cadeia dos Diários Associados, que também possui muitas emissoras radiofônicas e jornais em várias cidades. (...) Os meios de comunicação dos Diários Associados, inclusive rádio e tevê, empenharam-se numa campanha coordenada contra a agitação esquerdista, embora não contra Goulart pessoalmente, nos últimos meses que antecederam ao golpe” (p. 8).

Participação ativa
A pequena descrição aqui esboçada de dois estudos que partem de perspectivas teóricas e analíticas radicalmente distintas não deixa qualquer dúvida sobre o ativo envolvimento da grande mídia na conspiração golpista de 1964.

A relação posterior com o regime militar, sobretudo a partir da vigência da censura prévia iniciada com o AI-5, ao final de 1968, é outra história. Recomendo os estudos de Beatriz Kushnir, “Cães de Guarda – Jornalistas e censores do AI-5 à Constituição de 1988” (Boitempo, 2004) e de Bernardo Kucinski, “Jornalistas e Revolucionários nos tempos da imprensa alternativa” (EDUSP, 2ª. edição 2003).

As Organizações Globo merecem, certamente, um capítulo especial. Elio Gaspari refere-se ao “mais poderoso conglomerado de comunicações do país” como “aliado e defensor do regime” (Ditadura Escancarada, Cia. das Letras, 2004; p. 452).

Em defesa da democracia
Não são poucos os atores envolvidos no golpe de 1964 – ou seus herdeiros – que continuam vivos e ativos. A grande mídia brasileira, apesar de muitas e importantes mudanças, continua basicamente controlada pelos mesmos grupos familiares, políticos e empresariais.

O mundo mudou, o país mudou. Algumas instituições, no entanto, continuam presas ao seu passado. Não nos deve surpreender, portanto, que eventualmente transpareçam suas verdadeiras posições e compromissos, expressos em editoriais, notas ou, pior do que isso, disfarçados na cobertura jornalística cotidiana.

Tudo, é claro, sempre feito “em nome e em defesa da democracia”.

Por todas essas razões, lembrar e discutir o papel da grande mídia na preparação e sustentação do golpe de 1964 é um dever de todos nós.

Venício A. de Lima


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quinta-feira, 5 de março de 2009

Fidel sobre a globalização neoliberal

A TV cubana transmite o Encontro dos Economistas em todas as suas atividades, de forma direta, em TV aberta, para todo o país. Há mesas com grandes temas, à tarde e à noite, assim como comissões de manhã, divididas em temas: finanças, desenvolvimento: políticas agrárias e segurança alimentar, crise econômica global, temas sociais, energia e meio ambiente, desenvolvimento e globalização e integração.

O presidente da Associação de Economistas Cubanos, Roberto Verrier, recordou, no seu discurso de abertura do evento, palavras proferidas por Fidel Castro no Encontro realizado em janeiro de 1999, há 10 anos, no primeiro Encontro de Economistas, quando poucos se atreviam a prever a crise que vive hoje:

“Que tipo de globalização temos hoje? Uma globalização neoliberal; muitos de nós a chamamos assim. Ela é sustentável? Não. Poderá subsistir por muito tempo? Absolutamente não. Por séculos? Categoricamente não. Durará apenas décadas? Sim, só décadas. Porém mais cedo do que se imagina terá que deixar de existir.”

“Será que eu acredito que eu sou uma espécie de profeta ou de adivinho? Não. Conheço muito de economia? Não. Quase absolutamente nada. Para afirmar o que eu disse basta saber somar, diminuir, multiplicar e dividir. O que aprendem as crianças na escola primária.”

“Como vai se produzir a transição? Não sabemos ainda. Mediante grandes revoluções violentas ou grandes guerras? Parece improvável, irracional e suicida. Mediante profundas e catastróficas crises? Infelizmente é o mais provável, quase quase inevitável e transcorrerá por vias e formas de luta muito diversas...”

Comentou Verrier: “Aquele discurso nos desconcertou a todos por sua brevidade e contundência, quando ainda estávamos por constatar seu profundo avanço sobre os acontecimentos que se precipitaram no lapso de uma década.”

E, mais adiante, disse: “Se requer uma análise séria, profunda e rigorosa sobre a crise econômica global e seu impacto no setor financeiro. É imprescindível um novo desenho da ordem econômica internacional e uma reestruturação de sua arquitetura financeira. Toda analise sobre este tema requer a mais ampla participação da comunidade internacional. Todos os países e, em particular, os países em via de desenvolvimento, têm o direito a estar presentes, a aportar seus pontos de vista e perspectivas, e a fazer parte das soluções que se definam.”

Postado por Emir Sader às 02:38


Existem coisa que são óbvias, só os neoliberias nao vêêm...


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Começa a era Raul?

Um ano depois de assumir a presidência, cautelosamente, Raul Castro introduz mudanças significativas na composição do governo, tirando a dois dos principais representantes da geração mais jovem – Carlos Lage, que era uma espécie de primeiro ministro –e Perez Roque, um jovem chanceler formado diretamente por Fidel, de quem foi um assessor direto. Além do Ministro de Economia, José Luis Rodrigues, entre outros.

As especulações vão em distintas direções. Depois que Fidel disse que não se pronunciaria mais sobre política interna, para dar mais liberdade de ação ao governo, Raul inclui a militares de alta graduação no governo, gente que sempre trabalhou diretamente com ele. Pode significar a busca do que ele considera uma maior eficácia – como se considera que existe nas empresas dirigidas pelos militares – e que analistas internacionais apontam como uma variante da opção tomada pela China – de abertura econômica, mas rígido controle da economia por parte do Estado.

Em outra direção, a mudança de Perez Roque por seu segundo, pode ter a ver com a mudança de governo nos EUA, mas se o substituito chega a ser efetivado, pode não ter outro significado, porque ele trabalhou sempre diretamente com Roque.

O anúncio foi feito como última notícia do jornal da televisão do meio dia, depois da reunião do Conselho de Estado realizada pela manhã. A surpresa veio por afetar a dois dirigentes que sempre foram considerados candidatos a uma equipe coletiva que deve dirigir a futuro o Estado cubano. Os outros dirigentes sempre mencionados – Ricardo Alarcon, dirigente histórico da política externa cubana e atualmente Presidente do Parlamento cubano, assim como o Ministro da Cultura, Abel Prieto, que se encontra na Espanha, mantêm seus cargos.

Raul demonstrou, no seu principal pronunciamento, um sentimento realista sobre as condições concretas de vida dos cubanos, comprometendo-se a passar a limpo a política de remunerações, para promover melhorias nos salários. Na mais importante decisão tomada até agora, decidiu-se flexibilizar a escala salarial, incentivando a produtividade – no sentido estrito da Carta ao Programa de Gotha, de Marx, que dizia que no socialismo, cada um receberia de acordo com seu trabalho, deixando para o comunismo, quando exista fartura, a remuneração pelas necessidades de cada um.

Por outro lado, Raul também se mostrou sensível à flexibilização de algumas limitações no acesso aos hotéis e à compra de celulares. Outras medidas foram adiadas depois que os furacões causaram danos gravíssimos à agricultura cubana.

Mas a partir de agora é que o governo pode começar a ganhar uma nova fisionomia, mesmo antes da realização do novo Congresso do Partido Comunista, a realizar-se neste ano.

Começa a era Raul. Prepara-se a futura equipe governante em Cuba? Tudo isso é sempre tratado com grande discrição. As medidas concretas, especialmente na área econômica e externa, dirão a sua real dimensão.

Postado por Emir Sader às 05:01


Quem Diria, e eu que pensava ser carlos Lage o subistituto de Raúl....


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