sábado, 13 de junho de 2009

Batata pouca, meu pirão primeiro

Para muitos, sobretudo os social-democratas, as eleições para o Parlamento Europeu foram uma surpresa. Eles esperavam um crescimento de sua representação entre as 736 cadeiras do Parlamento, que se reúne umas doze vezes por ano, em Estrasburgo, na França. Não aconteceu. Pelo contrário, saíram na frente os partidos conservadores (aqui descritos, na maior parte da imprensa, como de centro-direita, enquanto os social-democratas ou socialistas são ditos de centro-esquerda).

Os parlamentares nessa Assembléia Supra-Nacional, que potencialmente representa um colégio de 375 milhões de eleitores de 27 países da Europa, se dividem em grandes blocos: o maior ficou sendo o Partido do Povo Europeu (Democratas Europeus), com 263 cadeiras. Em segundo ficou, apesar do recuo, o Partido dos Socialistas Europeus (onde estão o Labour britânico, o Partido Socialista Francês e o SPD alemão), com 161 cadeiras. O Partido Verde Europeu, que congrega os partidos nacionais do mesmo nome, cujo líder é o veterano de 68, Daniel Cohn-Bendit, que hoje representa o partido alemão, ficou com 52 cadeiras, e desponta como a maior força alternativa à esquerda.

Existem outros blocos ou representações políticas de significação política mais confusa, ou obtusa, como os Liberais-Democratas (ora apontados como de centro, ora como potenciais formadores de uma aliança com os Verdes), com 80 cadeiras, a União para uma Europa das Nações, 35 cadeiras, o grupo Independência-Democracia (também chamados de Eurocéticos, já que se opòem à União Européia, pelo menos no conceito atual), com 19 cadeiras. Na Suécia se elegeu pela primeira vez um representante do Partido Pirata, que prega a liberdade completa de apropriação e uso dos conteúdos na internete.

Os partidos mais à esquerda, como o PC francês, ou a Linke alemã, se agrupam na Esquerda Unificada Européia – Liga Nórdica Verde de Esquerda, que ficou com 33 cadeiras. Dentro da maré conservadora na votação, em que os partidos de Berlusconi e Sarkozy obtiveram significativas vitórias em seus países, alguns pontos de esquerda emergiram à superfície, o que pode tanto significar a ponta de um iceberg quanto apenas um bote ou até um colete salva-vidas. A social-democracia obteve vitórias na Suécia, na Dinamarca e na Grécia (e só). Em compensação, Zapatero (Espanha), Gordon Brown (Grã-Bretanha) e José Sócrates (Portugal) amargaram derrotas para os conservadores em seus países. Na Alemanha, em Berlim o Partido Verde foi o vencedor, e em Brandemburgo, região ao redor de Berlim e tradicionalmente um lugar de referência para os movimentos neo-nazistas, a Linke foi o partido vencedor, com 30% dos votos.

Do total de eleitores, 43% (aprox. 161.250.000) compareceram às urnas. Em muitos países, como a Alemanha, o voto é facultativo. Em outros, como a Grécia, é obrigatório. O Parlamento é mais uma instância de referência para tendências e debates, já que a instância decisiva mesmo da União é o Conselho Europeu, com representantes dos governos nacionais, que se reúne em Bruxelas. Entre as tendências que despontam, as mais preocupantes ficaram por conta de sucessos eleitorais da extrema-direita, sempre xenófoba e anti-imigrantes, na Holanda, na Áustria e na Hungria.

Na Holanda a bandeira da extrema-direita, que teve a segunda votação no país, foi a de que a Turquia não pode entrar na União Européia porque é um país muçulmano, e existe uma incompatibilidade entre “europeu” e “muçulmano”. Na Áustria a extrema-direita vem capitalizando o voto da juventude, desde que o país baixou a idade de votação para 16 anos. Na Hungria, país duramente varrido pela recente crise financeira, a extrema-direita é uma séria concorrente ao governo nas próximas eleições.

Da Grã-Bretanha à Alemanha e Polônia, os social-democratas atribuíram sua baixa-votação à falta de comparecimento de seu eleitorado, por falta de interesse. Essa foi a tecla tanto de Gordon Brown, em Londres, quanto de Frank-Walter Stenmeier, Ministro de Relações Exteriores do governo de coalizão em Berlim, e de Paul Nyrup Resmussen, líder do bloco social-democrata europeu. Mas a complexidade da situação sugere outras linhas de possibilidades.

Tanto analistas consultados pelo The Guardian ou o Financial Times, por exemplo, sugerem que há um retraimento histórico da votação nos social-democratas, em escala européia, por uma questão de identidade política. O professor Simon Hix, da London School of Economics, sugeriu no The Guardian a hipótese de que os trabalhadores europeus mais pobres estariam se voltando para a direita ou extrema-direita em busca de uma votação que os protegesse da leva de imigrantes que batem às portas da Europa todos os anos. Isso ajudaria a entender a ampliação do voto nos conservadores em países como a Holanda, Portugal, Espanha, e no Leste europeu. Enquanto isso, faz tempo, assinala ele, que os liberais da classe média e os trabalhadores do setor público se voltaram para os Verdes, tendo o SPD, com sua guinada histórica para a direita, deixado de ser uma referência para eles.

A hipótese é interessante. Afinal de contas, como apontaram esses e outros órgãos de imprensa, diante da crise os conservadores no poder na França, na Alemanha – países continentais de maior referência – vem aplicando políticas que são verdadeiras “sobras de naufrágio” do Welfare State (Estado do Bem Estar Social, que sempre foi uma pregação dos social-democratas): investimentos públicos, proteção ao emprego, ampliação da seguridade social, mesmo que temporária, incentivo a empregos temporários e de curto prazo, ampliação dos prazos de seguro-desemprego, subsídio para manutenção ou ampliação de empregos.

Enquanto isso, o que marcou a história dos partidos socialistas ou social-democratas concomitante à queda dos regimes comunistas, foi sua adesão ao ideário neoliberal preparado, primeiro para a América Latina pelo Consenso de Washington, ou sua adesão às conseqüências do Tatcherismo que procurou varrer do mapa político a influência dos sindicatos e dos movimentos de trabalhadores, ou mesmo quebrar a sua espinha.

Diante desse quadro, por que mudar o voto? Se as batatas são poucas (aqui só imigrantes da América Latina e da África fazem pirão de farinha de mandioca) e meu pirão vem primeiro, trata-se de assegurar a continuidade de quem está garantindo batata, pirão, talher e mesa, ainda que a opção pelo Parlamento Europeu, em termos de decisões realmente de monta, seja mais simbólica do que outra coisa.

Assim mesmo, fica a interrogação para os nossos estudiosos: por que na Europa momentos de crise significam guinadas à direita, com o afloramento de um nacionalismo xenófobo, enquanto nas Américas momentos de crise significam guinadas à esquerda (mesmo que não de esquerda), com a emergência de um nacionalismo inclusivo na América Latina, pelo menos? A pergunta vale uma investigação e um debate.


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