quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Por que Hugo Chávez ganhou?

Uma vez mais, em dez anos, Hugo Chávez triunfou nas eleições internas. À exceção da consulta de reforma constitucional de dezembro de 2007, ele triunfou em todas as 14 eleições, presidenciais, de referendos do mandato presidencial e outras. Volta agora a triunfar.

A levar a sério as versões da grande maioria – a quase totalidade da mídia privada nacional e internacional – não se pode entender suas vitórias. Que aos 10 anos de mandato, sob efeito de uma brutal oposição da mídia monopolista privada, das entidades do grande empresariado, dos partidos tradicionais, entre outras entidades que fazem parte do bloco de direita, Hugo Chavez detenha um apoio popular majoritário, só poderia ser atribuído a algum tipo de fraude. No entanto a própria oposição reconheceu a normalidade das eleições e a vitória de Chavez.

A razão de fundo para o apoio de Chavez na massa majoritariamente pobre da população venezuelana é a mesma que explica o êxito de governantes que privilegiam políticas sociais em detrimento da ditadura da economia e do mercado, característica dos governos que os precederam. Num país petroleiro, é incrível a pobreza venezuelana, revelando como as elites desse país fizeram a farra do petróleo, enriquecendo-se elas e distribuindo parte da renda petroleira a outros setores, políticos e sociais – incluindo a antiga “esquerda” e grandes setores do movimento sindical – que participavam da corrupção estatal.

Essas mesmas elites não perdoam que Hugo Chavez lhes tenha arrebatado não apenas o governo e o Estado, mas a principal fonte de riquezas do país – a PDVSA. E que dedique cerca de um quarto dos recursos obtidos por essa empresa para políticas sociais – para resgatar direitos essenciais da massa pobre da população, vitima principal do enriquecimento das elites tradicionais. Além de se valer de parte desses recursos para políticas internacionais solidárias – inclusive com setores pobres dos EUA.

Os resultados são claros: a extrema pobreza foi reduzida de 17,1 a 7,9. Cresceu a taxa de escolaridade e de preescolaridade, que subiu de 40 a 60%. Terminou o analfabetismo, segundo a constatação da Unesco. A participação feminina subiu muito no Parlamento e quatro mulheres dirigem a Corte Suprema, a Procuradoria Geral, o Conselho Nacional Eleitoral e a Assembléia Nacional. A taxa de mortalidade infantil diminuiu de 27 por mil a praticamente a metade: 14 por mil. O acesso a água potável subiu de 80 a 92% da população. Diminuiu significativamente a desigualdade social, a Venezuela subiu bastante no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, aumentou a expectativa de vida, diminuiu o desemprego, aumentou o trabalho formal em relação ao precário, foram legalizados milhões de aposentados, o consumo de alimentos subiu 170%. Em suma, como em todos os governos que buscam reverter a herança neoliberal, se dá um imenso processo de afirmação dos direitos da grande maioria, refletido na sua promoção social e na expansão do mercado interno de consumo popular.

A ideologia bolivariana articula promoção dos direitos à soberania nacional, à solidariedade internacional e à construção de um tipo de sociedade fundada nas necessidades da população e não nos mecanismos de mercado – a que Chavez aponta como o socialismo do século XXI.

A nova vitória de Chávez tem nessas bases seu fundamento. À falência das corruptas elites tradicionais, a Venezuela passou a viver o maior processo de democratização social e política da sua história. Essa vitória permite e compromete o governo com o enfrentamento da grande quantidade de problemas pendentes e que responde, em parte pela derrota anterior do governo, em dezembro de 2007.

Entre eles, a adaptação do Estado às necessidades de gestão eficiente e transparente de suas políticas, o enfrentamento do tema da violência, o avanço na construção de estruturas de poder político popular de base e do partido, o desenvolvimento de políticas econômicas que permitam a edificação de estruturas econômicas menos dependentes do petróleo, de caráter industrial e tecnologicamente avançadas.

As derrotadas são as elites tradicionais, que controlam 80% da mídia privada do país, que promoveram o golpe militar contra Chavez, um lock-out e a fuga de capitais contra o país, que se articulam com o governo dos EUA contra as autoridades legitimamente eleitas e reconfirmadas pelo voto democrático do povo venezuelano. Chavez sai fortalecido da consulta, assim como a imensa massa pobre da população, que ingressa, através do processo bolivariano à historia política do país.


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Intelectuais lançam manifesto de repúdio à Folha de S.Paulo

SÃO PAULO - Um grupo de intelectuais lançou sábado (21) um abaixo-assinado na internet em repúdio à Folha de S.Paulo. O manifesto protesta contra um editorial publicado quatro dias antes pelo jornal, que relativiza as atrocidades da ditadura militar (1964-1985) e classifica o período como "ditabranda".

O texto condena "o estelionato semântico manifesto pelo neologismo 'ditabranda' e, a rigor, uma fraudulenta revisão histórica forjada por uma minoria que se beneficiou da suspensão das liberdades e direitos democráticos no pos-1964". Segundo os signatários do manifesto, "a direção editorial do jornal insulta e avilta a memória dos muitos brasileiros e brasileiras que lutaram pela redemocratização do pais".

Outra motivação do abaixo-assinado foi prestar solidariedade aos professores acadêmicos Maria Victória de Mesquita Benevides e Fabio Konder Comparato, cuja legítima indignação ao editorial foi tachada de "cínica" e "mentirosa" pela Folha. "Pela luta pertinaz e consequente em defesa dos direitos humanos, Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato merecem o reconhecimento e o respeito de todo o povo brasileiro", diz o texto.

A íntegra do manifesto é a seguinte:

REPÚDIO E SOLIDARIEDADE

"Ante a viva lembrança da dura e permanente violência desencadeada pelo regime militar de 1964, os abaixo-assinados manifestam seu mais firme e veemente repúdio à arbitrária e inverídica “revisão histórica” contida no editorial da Folha de S. Paulo do dia 17 de fevereiro último. Ao denominar “ditabranda” o regime político vigente no Brasil de 1964 a 1985, a direção editorial do jornal insulta e avilta a memória dos muitos brasileiros e brasileiras que lutaram pela redemocratização do país.

Perseguições, prisões iníquas, torturas, assassinatos, suicídios forjados e execuções sumárias foram crimes corriqueiramente praticados pela ditadura militar no período mais longo e sombrio da história política brasileira. O estelionato semântico manifesto pelo neologismo “ditabranda” é, a rigor, uma fraudulenta revisão histórica forjada por uma minoria que se beneficiou da suspensão das liberdades e direitos democráticos no pós-1964.

Repudiamos, de forma igualmente firme e contundente, a “Nota de redação”, publicada pelo jornal em 20 de fevereiro (p. 3) em resposta às cartas enviadas à seção “Painel do Leitor” pelos professores Maria Victoria de Mesquita Benevides e Fábio Konder Comparato. Sem razões ou argumentos, a Folha de S. Paulo perpetrou ataques ignominiosos, arbitrários e irresponsáveis à atuação desses dois combativos acadêmicos e intelectuais brasileiros. Assim, vimos manifestar-lhes nosso irrestrito apoio e solidariedade ante às insólitas críticas pessoais e políticas contidas na infamante nota da direção editorial do jornal.

Pela luta pertinaz e consequente em defesa dos direitos humanos, Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato merecem o reconhecimento e o respeito de todo o povo brasileiro".


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A crise na era senil do capitalismo. Esperando, inutilmente, o quinto Kondratieff



INCERTEZA
“Incerteza” é a palavra que melhor define o clima psicológico atual. Todos os precedentes capitalistas desta crise demonstraram-se inúteis na hora de entender o que está acontecendo. A imagem da “terra incógnita”, do ingresso em um território desconhecido vai se impondo entre as elites das grandes potências. Em um artigo publicado recentemente no jornal The Independent, Jeremy Walker resume muito bem essa nova percepção: “Nos encontramos em um mar desconhecido, ninguém sabe para onde vamos. A única coisa que sabemos é que a tormenta econômica prossegue sua marcha” (1).

Por sua parte, James Rickards, uma figura chave do aparato de inteligência estadunidense (formalmente é assessor financeiro do gabinete do Secretário de Defesa), apresentou no dia 17 de dezembro de 2008 um informe, sob os auspícios da Marinha dos Estados Unidos, onde traça quatro cenários catastróficos sobre o futuro dos EUA. Um deles (como não poderia ser de outra maneira na era Bush) descreve um mega ataque terrorista que aproveitaria a extrema debilidade da economia para aplicar um golpe mortal no Império. Outro está centrado em uma suposta agressão financeira da China vendendo massivamente no mercado dólares e títulos públicos estadunidenses, provocando assim a queda de suas cotações. Um terceiro cenário apresenta a queda livre do dólar e as conseqüências desastrosas para a sociedade imperial e o resto do mundo. Por fim, o quarto cenário, talvez o mais importante, denominado “Queda existencial”, prognostica uma depressão prolongada com redução do Produto Bruto Interno da ordem de 35% ao longo dos próximos 6 ou 7 anos, com uma taxa de desemprego que chegaria a 15% (2).

A ilusão da auto-regulação do mercado financeiro virou fumaça; os gurus da especulação se esconderam ou mudaram de discurso, pedindo ajuda a outros deuses: os da intervenção estatal, que eles, há umas poucas décadas, jogaram no baú dos velhos objetos inúteis. Até fins de 2008, numerosas revistas especializadas de todos os continentes, algumas destinadas ao grande público, mostravam a fotografia de Lord Keynes, desenterrado para nos salvar do desastre. Mas até agora a nova-velha magia intervencionista tem demonstrado a mais completa impotência.

Vários bilhões de dólares, euros e outras moedas fortes (fortes?) foram lançados ao mercado em espetaculares operações de socorro com resultado nulo. O mercado financeiro não se auto-regula, mas tampouco aceita ser regulado.Uma avalanche de acontecimentos sepultou por completo os prognósticos conservadores dos vencedores da Guerra Fria. O futuro já não será mais um “mais do mesmo” e, ao se romper essa linearidade burguesa da história, reaparece com uma força inusitada o que Mircea Eliade denominava “o terror da história”, neste caso uma provável sucessão de fatos onde os poderes e valores dominantes não sejam respeitados, atingidos por forças hostis. Esse temor cresce velozmente entre as classes dominantes.

A crise financeira é gigantesca, mas também o são as “outras crises”, umas mais visíveis ou virulentas que outras, convergindo até conformar um fenômeno inédito. Para tomar apenas um exemplo, a crise energética que expressa, por enquanto, o estancamento e a redução próxima da produção petroleira global, foi até bem pouco tempo um catalisador decisivo da especulação e da inflação (até antes da queda econômica global do último trimestre de 2008), e nos espera em um futuro não distante para desferir novos golpes inflacionários, quando a extração cair mais alguns degraus ou quando a depressão econômica seja detida. Por outro lado, a crise energética está associada à crise alimentar e ambas assinalam a existência de um impasse tecnológico geral que se estende ao Meio Ambiente e ao aparato militar-industrial, todo ele concentrado e exacerbado a partir do colapso financeiro nos Estados Unidos, o centro do mundo.

É possível então afirmar que as diversas crises não senão aspectos de uma mesma crise, sistêmica, do capitalismo como etapa da história humana (3).

Ciclos
Uma componente importante dessa crise psicológica é a constatação de que certos ciclos que pareciam reger o funcionamento econômico deixaram de funcionar. Trata-se da destruição da crença em que, após um determinado número de meses ou anos de vacas magras, o sistema seguiria seu caminho ascendente.

Os ciclos decenais descobertos por Juglar até 1860 atravessaram boa parte do século XIX expressando as oscilações do jovem capitalismo industrial, ainda que, ao final do mesmo, essas rotinas tenha se desordenado. Em 1885, em uma nota anexa ao livro III do “Capital”, Engels assinalava que “ocorreu uma virada desde a última grande crise geral (1867). A forma aguda do processo periódico com seu ciclo de dez anos que vinha se observando até então parece ter cedido o posto a uma sucessão mais crônica e larga de períodos relativamente curtos e tênues de melhoria dos negócios e de períodos relativamente largos de depressão...”.

E atribuía essa mudança à nova configuração econômica internacional marcada pelo rápido desenvolvimento dos meios de comunicação, pela ampliação do mercado mundial e pelo fim do monopólio industrial inglês (4). Os velhos ciclos decenais tendiam a desaparecer porque o capitalismo tinha sofrido mudanças estruturais decisivas.

Mas isso não afetou outras rotinas do sistema como os ciclos longos de Kondratieff, etapas de aproximadamente 50, 60 anos (a primeira metade de ascensão econômica e a segunda de decréscimo) que vinham se sucedendo a partir da revolução industrial inglesa. Ao longo da história do capitalismo, foram registrados quatro ciclos de Kondratieff. O primeiro iniciou no fim do século XVIII e terminou em meados do século XIX; o segundo terminou durante a última década desse século e o terceiro durante os anos 1940, quando se iniciou um quarto ciclo cuja etapa de prosperidade chegou até fins dos anos 1960, até 1968 se seguimos a proposta de Mandel que prefere estabelecer cortes históricos precisos (5). A partir desse momento, a taxa de crescimento da economia mundial impulsionada pelos países capitalistas centrais descreveu uma tendência decrescente no longo prazo que não se deteve até a atualidade e que deveria prolongar-se em um futuro previsível.

Se aceitamos a periodização de Mandel, a fase decrescente do primeiro Kondratieff teria durado uns 22 anos, a do segundo 20 anos e a do terceiro 26 anos, uma média de aproximadamente 22,6 anos. Mas o período de descenso do quarto Kondratieff já estaria durando uns 40 anos (em 2008) e não é demasiado ousado prognosticar seu prolongamento ao menos um pouco mais. Seguindo o modelo teórico, a recuperação deveria ter começado em meados da década passada. Isso não se produziu e tampouco ocorre na década atual.

Pior ainda, cada fase ascendente costuma ser associada a grandes inovações tecnológicas que modificaram os sistemas de produção e os estilos de consumo. Assim ocorreu durante a primeira revolução industrial com a máquina a vapor e a expansão da indústria têxtil, em meados do século XIX com o aço e o desenvolvimento das ferrovias, no final do século XIX com a eletricidade, a química e os motores, e a eletrônica, a petroquímica e os automóveis em meados dos anos 1940 no início do quarto Kondratieff.

Assim “deveria ter ocorrido” na década dos anos 1990, atravessada por grandes inovações em informática, biotecnologia e novos materiais. No entanto, essas mudanças técnicas não modificaram positivamente o curso dos acontecimentos. Pelo contrário, acentuaram suas piores características. Por exemplo, a informática: quando avaliamos seu impacto segundo a importância da atividade econômica envolvida, constatamos que sua principal aplicação de produziu na área do parasitismo financeiro, cujo volume de negócios (alguns trilhões de dólares) equivale atualmente a umas 19 vezes o Produto Bruto Mundial.

Isto me permite trabalhar com a hipótese de que, assim como ocorreu há cerca de um século com os ciclos decenais de Juglar, podemos atualmente sustentar que os longos ciclos de Kondratieff perderam validade científica. A fase decrescente do quarto Kondratieff foi triturada pela nova realidade. A economia mundial completamente hegemonizada pelo parasitismo financeiro obedece a uma dinâmica radicalmente diferente da vigente durante a era do capitalismo industrial.

Frente a essa evidência não faltam os especialistas e acadêmicos prontos a encontrar uma nova rotina restauradora da ordem. Alguns propõem regressar a ciclos mais curtos e violentos, ao estilo Juglar (retorno ao século XIX?), outros misturam Juglar e Kondratieff introduzindo alguns adornos provenientes da psicologia social, e outros ainda realizam manipulações econométricas no ciclo Kondratieff, conservando assim a esperança em uma futura recomposição ascendente do sistema. É o caso de Ian Gordon, renomado especialista norte-americano em prognósticos econômicos que não hesita em fabricar um super “quarto Kondratieff” estadunidense de quase 70 anos, deslocando para a direita o início de sua etapa ascendente (de 1940 a 1950), estendendo-a até os anos 1980 e propondo o fim do descenso (e o começo de um novo e maravilhoso quinto Kondratieff capitalista) para o final da segunda década do século XXI (6).

Senilidade
O fim das rotinas e o ingresso em um tempo de desordem geral estão assinalando que o mundo burguês não se encontra diante de uma enfermidade passageira, uma “crise cíclica” a mais no interior do grande ciclo, único e supostamente vigoroso do capitalismo, mas sim diante de uma crise de enorme amplitude onde as enfermidades se multiplicam, não por um capricho do destino, mas sim porque o organismo, o sistema social universal, está muito velho.

O capitalismo mundial ingressou na etapa senil (7) nos anos 1970 quando o parasitismo tornou-se hegemônico. Ao longo da referida década e do início dos anos 1980 ocorreram fatos decisivos nos Estados Unidos, entre eles o início do declínio de sua produção petroleira, a decisão do governo Nixon de terminar com o padrão dólar-ouro, a derrota no Vietnã, ao que logo se agregaram os déficits comerciais e fiscais crônicos e a alta incessante das dívidas pública e privada, a concentração dos lucros, o consumismo, a elitização e degradação do sistema político, etc.

Tudo isso teve conseqüências no início do século XXI, quando a bolha das bolsas desinflou, em uma situação extremamente grave, a qual o Império respondeu com uma desesperada fuga para a frente: radicalizou sua estratégia de conquista da Eurásia, deslocando grandes contingentes militares (Iraque e Afeganistão), reanimou a especulação financeira inflando a bolha imobiliária e, graças a ela, voltando a inflar a bolha financeira. Diante da crise do parasitismo financeiro decidiu impulsionar uma onda parasitária muito maior que a anterior. Não se trata de um “erro estratégico”, mas sim de uma conseqüência estratégica lógica inscrita na dinâmica dominante do sistema de poder.

Um primeiro indicador de senilidade é a decadência dos Estados Unidos, resultado de um largo processo de degradação. A “globalização” desenvolvida desde os anos 1970 implicou um triplo processo: o “aburguesamento” quase completo do planeta (a cultura do capitalismo tornou-se verdadeiramente universal ao derrotar a URSS e integrar a China), a financeirização integral do capitalismo (hegemonia parasitária) e a unipolaridade, instalação do Império norteamericano como poder supremo mundial. Principal consumidor global e área central dos negócios financeiros internacionais, ao que se agrega o fato decisivo da “norteamericanização” da cultura das classes dominantes do mundo. É por isso que o declínio (senilidade) dos Estados Unidos, para além de suas consequências econômicas (ou incluindo suas consequências econômicas) constitui o motor da decadência universal do capitalismo.

O império tem sido, ao mesmo tempo, vítima e verdugo do resto do mundo. Seu consumismo parasitário teve como contrapartida os bons negócios comerciais e financeiros das burguesias da União Européia, China, Japão, Índia, etc. O inchaço parasitário estadunidense foi o amortecedor fundamental da crise de superprodução crônica das grandes potências, mas a bolha imperial agora está desinflando e o capitalismo global ingressa na depressão.

Um segundo indicador de senilidade é a interação entre dois fenômenos: a hipertrofia financeira global e a desaceleração da economia mundial no longo prazo. No início do século XXI, chegamos à financeirização integral do capitalismo. As tramas especulativas impuseram sua “cultura” de curto prazo e depredadora que passou a ser o núcleo central da modernidade. Presenciamos um círculo vicioso; a crise crônica de superprodução iniciada há quatro décadas comprimiu o crescimento econômico desviando excedentes financeiros para a especulação, cujo Ascenso operou como um mega aspirador de fundos retirados do investimento produtivo. Hoje a massa financeira mundial estaria chegando a um trilhão de dólares (somente as operações com produtos financeiros derivados registrados pelo Banco de Basiléia superam os 600 bilhões de dólares).

A economia mundial cresce cada vez menos. Além disso, enfrenta um teto energético que bloqueia seu desenvolvimento, o que nos sugere que o tema da crise energética é o da incapacidade tecnológica do sistema para superar a armadilha do esgotamento dos recursos naturais não renováveis. É importante não que esquecer que o capitalismo industrial pode avançar desde o final do século XVIII porque conseguiu se tornar independente dos recursos energéticos renováveis que o submetiam a seus ritmos de reprodução e impor sua lógica aos recursos não renováveis: o carvão, seguido mais adiante pelo petróleo. Essa proeza depredadora (que nos levou ao desastre atual) foi o pilar decisivo da construção de seu sistema tecnológico articulador de uma complexa e evolutiva rede de procedimentos produtivos, produtos, matérias primas, hábitos de consumo, etc., ligando o desenvolvimento científico e as estruturas de poder.

A crise energética está associada à crise alimentar, às quais deveríamos agregar a crise ambiental para expor um terceiro indicador de senilidade: o bloqueio tecnológico. É útil o conceito de “limite estrutural do sistema tecnológico” definido por Bertrand Gille como o ponto em que o dito sistema é incapaz de aumentar a produção a um ritmo que permita satisfazer necessidades humanas crescentes (8). Não se trata de necessidades humanas em geral, ahistóricas, mas sim de demandas sociais historicamente determinadas. É possível, assim, formular a hipótese de que o sistema tecnológico do capitalismo estaria chegando a seu limite superior para além do qual vai deixando de ser o pilar decisivo do desenvolvimento das forças produtivas para se converter na ponta de lança de sua destruição.

O capitalismo está gerando agora um enorme desastre ecológico, resultado de uma “rigidez civilizacional” decisiva que impede superar uma dinâmica tecnológica que conduz à depredação catastrófica do meio ambiente. Toda vez que isso ocorreu no passado pré-capitalista foi porque a civilização que engendrou tal sistema técnico havia chegado a sua etapa senil (a destruição do meio ambiente é, na realidade, a autodestruição do sistema social existente).

Um quarto indicador de senilidade é a degradação estatal-militar posta em evidência pelo fracasso da aventura dos falcões norteamericanos, mas que expressa uma realidade global.O estado intervencionista permitiu controlar as crises capitalistas ocorridas desde o início do século XX. Sua ascensão esteve sempre associada ao militarismo, às vezes de maneira visível e outras, como logo após a Segunda Guerra Mundial, sob disfarce democrático (se observamos a evolução dos Estados Unidos desde os anos 1930 comprovaremos que o “keynesianismo militar” constitui-se até hoje na espinha dorsal de seu sistema).

Mas finalmente o desenvolvimento das forças produtivas universais, até chegar a sua degeneração parasitária-financeira atual, terminou por transbordar seus reguladores estatais, submergindo-os na maior de suas crises. O neoliberalismo aparentou ser a expressão de uma globalização superadora dos estreitos capitalismos nacionais; na realidade, tratava-se de vigoroso monstro financeiro devorando a seu pai estatal-produtivo-keynesiano. Agora, encurralados pela crise, os dirigentes das grandes potências retornam ao intervencionismo estatal que resulta impotente ante a maré financeira.

Esta decadência estatal inclui a do militarismo moderno evidenciado pelo atoleiro militar do Império no Iraque e do conjunto do Ocidente no Afeganistão. Trata-se de um fenômeno duplo. Por uma parte, a ineficácia técnica desses aparatos militares para ganhar as guerras coloniais; por outra, seu gigantismo parasitário operando como acelerador da crise. O caso norteamericano é exemplar (e sobre determinante): a hipertrofia bélica aparece como um fator decisivo dos déficits fiscais e da corrupção generalizada do Estado.

Um quinto indicador de senilidade é a crise urbana desatada na era neoliberal e que se agravará exponencialmente ao ritmo da crise atual. Desde o início dos anos 1980, quando a desocupação e o emprego precário nos países centrais se tornaram crônicos e quando a exclusão e a pobreza urbanas se expandiram na periferia, o crescimento das grandes cidades foi cada vez mais o equivalente da involução das condições de vida das maiorias. A decomposição das cidades é claramente visível na periferia, mas não é sua exclusividade. Trata-se de um fenômeno global ainda que seja no mundo subdesenvolvido onde ocorram os primeiros colapsos, expressões mais agudas de uma onda multiforme, irresistível.

Crise
Desde suas origens o capitalismo industrial experimentou uma larga sucessão de crises de superprodução. No século XIX, apresentou crises cíclicas de crescimento de uma civilização jovem. A cada grande turbulência, o sistema se expandia, deixando, porém, seqüelas negativas que foram se acumulando até engendrar finalmente uma força parasitária-financeira que se tornou dominante no início do século XX. Neste momento, o capitalismo ingressou em sua era de “maturidade”. A intervenção estatal, aliada aos parasitismos militar e financeiro, conseguiu controlar as crises das quais emergiram fenômenos de decadência que deram um salto qualitativo quando estourou a crise de superprodução no final dos anos 1960. Esta última foi amortizada, o sistema global seguiu crescendo, mas foi na base da expansão exponencial da depredação ambiental e do parasitismo, principalmente financeiro, que passou a controlar por completo o conjunto do mundo burguês, inaugurando a era senil do capitalismo.

Da “destruição criadora” à destruição depredadora
Neste novo contexto é que foi se preparando o grande estouro que hoje presenciamos, cujo detonador foi o colapso financeiro de 2008. A partir dele, o capitalismo global vai deixando (rapidamente) de ser um sistema velho crescendo cada vez menos e com maiores custos sociais para se tornar abertamente uma força destruidora das forças produtivas e do meio ambiente (da “destruição criadora” shumpeteriana do século XIX à destruição depredadora do século XXI). As civilizações anteriores ao capitalismo não liquidadas por fatores exógenos (invasões, catástrofes naturais, etc) foram derrotadas por devastadoras e prolongadas crises de superprodução, onde sua rigidez técnica (produto do envelhecimento cultural) bloqueava o desenvolvimento produtivo e desatava uma catástrofe ecológica. O motor dessas tragédias sempre foi o predomínio paralisante do parasitismo acumulado durante o longo ciclo civilizacional.

A burguesia proclamava ter acabado com as crises de subprodução das antigas civilizações graças ao excepcional dinamismo tecnológico do sistema que só podia sofrer crises cíclicas de superprodução sempre controladas graças à crescente sofisticação de seus instrumentos de intervenção (que o neoliberalismo não eliminou, mas sim potencializou, colocando-os a serviço da depredação financeira). Os catastrofistas eram alvo de chacota, em especial os marxistas, que aguardavam a crise geral e final de superprodução que nunca chegou. No entanto, tais crises foram acumulando um potencial parasitário que está agora começando a gerar uma crise de superprodução planetária, a maior da história humana. Se, neste caso, quiséssemos seguir utilizando o conceito de “crise cíclica” deveríamos fazê-lo nos referindo ao ciclo aproximadamente bicentenário do capitalismo que acaba de ingressar no período de aceleração da senilidade, de multiplicação de enfermidades e de colapsos.

Quatro esperas inúteis
Levando em conta esse contexto de crise sistêmica, civilizacional, quero fazer referência a quatro esperas inúteis que florescem nos círculos de poder e suas periferias cortesãs. A primeira delas, que sobredetermina as outras três, é a da chegada de um quinto ciclo de Kondratieff, de uma nova prosperidade produtiva do capitalismo, aguardado durante a década passada e a atual. Não pode chegar porque a estrutura econômica que engendrava esse tipo de ciclos no passado desapareceu vítima do parasitismo financeiro.

A segunda se refere à chegada milagrosa de um novo keynesianismo que, portando a espada do intervencionismo estatal, cortaria a cabeça dos malvados especuladores financeiros instalando no centro da cena aos bons capitalistas produtivos. O novo herói keynesiano não chegará porque seu instrumento decisivo, o Estado, é impotente frente à maré financeira e o é muito mais ante o oceano da crise sistêmica. Além disso, a longa festa neoliberal degradou-o profundamente. Por outra parte, os bons capitalistas produtivos não aparecem em nenhuma parte. O que, sim, aparece, por todos os lados, são os gênios da especulação financeira.

A terceira espera inútil é a do renascimento do Império após quase quatro décadas de decadência, sobrecarregado de dívidas, desfigurado pelo consumismo, com uma cultura produtiva seriamente deteriorada. Não existe nenhum indício sério desse suposto renascimento. Finalmente, a quarta espera inútil é a de um novo Império capitalista ou uma nova aliança imperial, um novo centro do mundo burguês, a acoplagem total entre as grandes potências descarta por completo essa expectativa (tal acoplagem é o resultado de um longo processo de integração que terminou por conformar um sistema global fortemente interrelacionado).


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O Afeganistão e as raízes do império americano


A decisão do governo Obama de reforçar as tropas dos EUA no Afeganistão sugere uma volta ao debate sobre o império americano. Nessa discussão alguns chegaram a se referir com escrúpulo, há sete anos, à E-word (palavra E, Empire) ou à I-word (palavra I, Imperialism). Na ocaião, um livro optou ostensivamente, no título, pela expressão "Império Americano". Andrew Bacevich, o autor, observou que cada vez mais a corrente central do pensamento no país reconhecia o papel imperial dos EUA.

A questão que "os americanos não podem mais se dar ao luxo de evitar não é se os EUA se tornaram potência imperial. A questão é que tipo de império pretendem que seja o deles", escreveu Bacevich. Para ele, deixar de reconhecer o fato e tentar esconder a realidade imperial pode levar a "não só negar o império americano como a um grande perigo para aquilo que foi conhecido como república americana".

Na fase inicial o debate era mais sobre a nova ordem mundial e o papel ampliado e novas responsabilidades globais dos EUA, devido ao fim da União Soviética. Foi nesse contexto que o neoconservador Paul Wolfowitz (número 2 do Pentágono entre 2001 e 2005, depois chefão do Banco Mundial até ser defenestrado por privilegiar a namorada) redigira em 1992 para Dick Cheney, então secretário da Defesa, um documento interno de contornos imperiais, DPG - Orientação de Política da Defesa. Mas havia antecedentes históricos.

O fervor imperialista de Ted Roosevelt
No final do século XIX, depois de ter sido adicionado ao território dos EUA o que hoje são os estados do Texas, Novo México, Califórnia e Arizona, Theodore (Ted) Roosevelt defendeu a expansão colonial no Caribe, Ásia e Pacífico, rumo ao status de potência mundial. Jornalistas (Hearst e Pulitzer à frente, na competição do yellow journalism), homens de negócios, banqueiros e políticos apaixonaram-se pela idéia.

No seu fervor imperialista, Roosevelt - herói e mito graças à sua "esplêndida guerrinha", a tomada de Cuba - evocava Rudyard Kipling, o poeta do imperialismo britânico e do "fardo do homem branco". Surgiram, quase à mesma época, as comparações com o Império Romano. "Somos uma grande República Imperial, destinada a exercer influência controladora sobre as ações da humanidade", previra Marse Henry Watterson em 1896.

Logo depois do 11 de setembro, outro neoconservador, Max Boot, ousou um puxão de orelha no secretário Donald Rumsfeld, por ter declarado que os EUA não buscavam império. "O problema é que isso não é verdade. Os EUA têm sido um império, desde pelo menos 1803, quando Thomas Jefferson comprou o território da Louisiana. (...) O império estendeu-se ao exterior, adquirindo colônias, de Porto Rico e Filipinas ao Havaí e Alasca", escreveu.

Do outro lado do espectro político, um historiador revisionista da fase aguda da guerra fria, William Appleman Williams, teria concordado em parte. Ao constatar em 1980, uma década antes de sua morte, que as palavras "império" e "imperialismo" não encontravam "hospitalidade fácil nas mentes e corações da maioria dos americanos contemporâneos", Williams lembrou não ter sido sempre assim.

Sinônimo do Sonho Americano
"Império era comum no vocabulário dos americanos que fizeram a revolução contra a Grã Bretanha e no daqueles que conceberam e executaram o subsequente levante doméstico", afirmou Williams. E mais: "Nossos Revolucionários e Pais Fundadores, conheciam as idéias, a linguagem e a realidade do império a partir do estudo deles da literatura clássica sobre a Grécia e Roma (e sobre a política em geral)".

A palavra império, observou, era usada regularmente por eles nas conversas sobre a Inglaterra; e a empregavam cada vez mais ao falar da própria condição deles, de suas políticas e aspirações. Tornou-se, na verdade, sinônimo da realização do Sonho deles". Para Williams, as gerações posteriores é que se tornaram "menos francas sobre as atitudes e práticas imperiais, apoiando princípios nobres como 'integridade territorial e administrativa' e a meta de 'salvar o mundo para a democracia' - mesmo quando destruiam as culturas dos Primeiros Americanos, conquistavam a metade do México e expandiam incansavelmente o poderio de seu governo em todo o globo."

Na análise de Williams, "império tornou-se tão intrinsicamente nosso sistema americano de vida que passamos a racionalizar e suprimir a natureza de nossos meios na euforia de nosso usufruto dos fins. Abundância era liberdade, e liberdade era abundância. A democrática Cidade na Colina. Daí projetarmos nosso imperium para o exterior, sobre os outros - declarados amigos ou então antagonistas malignos".

Na visão daquele historiador, tal processo de reificação, de transformação das realidades da expansão, conquista e intervenção numa retórica de cunho religioso sobre virtude, riqueza e democracia, alcançou seu ponto culminante nas décadas seguintes à II Guerra Mundial. Ele se referiu aos "incontáveis documentos que monitoram o avanço de nosso auto-embuste imperial, nossa rendição à doutrina".

Aberração na história do país?
Segundo Williams, talvez o mais revelador, entre os muitos documentos, tenha sido um estudo conspículo do Conselho de Segurança Nacional feito em 1949-50 e conhecido como NSC-68. "Ali os líderes dos EUA declararam o direito e a responsabilidade excepcionais de impor a 'ordem entre as nações', uma ordem da escolha deles, para que 'nossa sociedade livre possa florescer'".

A propósito das manifestações imperiais de Ted Roosevelt, foi sintomático como historiadores ortodoxos, afinados com o pensamento dominante, distanciaram-se do entusiasmo de Watterson. Pouco condescendentes na crítica, viram aquele período imperialista como aberração na história de um país que oferecera ao mundo o exemplo da guerra da independência contra a domínio colonial britânico.

De qualquer forma, o fervor imperialista daquele primeiro Roosevelt (um dos presidentes mais amados pelas gerações seguintes, embora às vezes por razões mais nobres, pois era também o trust buster) foi retomado pelos neoconservadores (com a DPG) na agonia da guerra fria, ainda no período do primeiro Bush, quando a escola Cheney-Wolfowitz tinha o controle do Pentágono. A dupla prevaleceu não no primeiro momento, com o primeiro George Bush, mas quase uma década depois, sob Bush II.

O reforço de 17 mil soldados no Afeganistão, enviados pelo presidente Barack Obama, mostra no mínimo que o legado dos neocons permanece vivo - mesmo sem a presença deles no governo.

(*) Como jornalista, desde a década de 1980, Argemiro Ferreira escreve para o diário Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro. É autor dos livros "Informação e Dominação" (edição do Sindicato de Jornalistas do Rio de Janeiro, 1982 - esgotado), "Caça às Bruxas - Macartismo: Uma Tragédia Americana" (L&PM, Porto Alegre, 1989), "O Império Contra-Ataca - As guerras de George W. Bush antes e depois do 11 de setembro" (Paz e Terra, São Paulo, 2004). Foi colaborador de Rede Imaginária - TV e Democracia (org. por Adauto Novaes, Companhia das Letras, São Paulo, 1991), Mídia & Violência Urbana (Faperj, Rio de Janeiro, 1994).

Blog do Argemiro Ferreira


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A “ditabranda” da Folha: a culpa é de Fidel

Faltando três dias para o início do carnaval, a Folha de S. Paulo inverteu o rito de inversão. Tirou a fantasia de "fiscal republicana”, longamente confeccionada ao longo dos anos 1980, e partiu para o desfile sem disfarces, disposta a contar suas origens, histórias e personagens.

Com o editorial (ou seria um samba-enredo?) "Limites a Chávez " (17/2/2009), o jornal acompanha o pensamento do ex-publisher, Otávio Frias de Oliveira (1912-2007), mostra o inconformismo com a nova institucionalidade latino-americana e reverencia os generais-presidentes da ditadura com quem manteve laços estreitos. Dessa vez, os carnavalescos da Barão de Limeira deixaram claro que o apreço pela democracia tem limites. E eles são bem mais estreitos do que supunham os otimistas.

Ecoando o sentimento da grande imprensa latino-americana, o editorial deplora mais uma vitória do presidente venezuelano em eleições internas e afirma que “o rolo compressor do bonapartismo chavista destruiu mais um pilar do sistema de pesos e contrapesos que caracteriza a democracia. Na Venezuela, os governantes, a começar do presidente da República, estão autorizados a concorrer a quantas reeleições seguidas desejarem."

É um raciocínio tortuoso esse. É como se, uma vez desenhada a tela institucional das elites, o regime político aceitável só pudesse existir como moldura para uma realidade pretérita. Não é apenas contra Chávez que a Folha se volta, mas contra qualquer possibilidade de incorporações de novos atores sociais à política. Algo fundamental quando o que se objetiva é dar maior densidade à democracia. Reinventar o ordenamento jurídico-político, respeitando os procedimentos constitucionais, é coisa recente na América Latina.

Os termos, bem como as idéias, estão fora do lugar. Empregam-se categorias como caudilhismo, bonapartismo e até mesmo ditador, fora de contexto histórico preciso, sem qualquer rigor conceitual. É o caso de indagarmos se a Venezuela bolivariana não dispõe de um Estado com organização flexível que, assegurando a vontade popular, preserve igualdade de possibilidades e liberdade? Talvez, ali, verifique-se, em plenitude, a idéia do Estado democrático como transformador da realidade. E é precisamente isso que deve ser exorcizado pelos editorialistas de plantão: a concepção de que a democracia implica um Estado fomentador da participação pública.

Os membros do conselho editorial da Folha sabem da inexistência de presos políticos em Caracas. Não têm notícias de perseguição e assassinatos de lideranças da oposição. Não ignoram a presença de uma forte mídia privada que continua defendendo os interesses das elites banidas do poder pelas urnas, mas batem na mesma tecla do “autoritarismo chavista”. O que chamam de antidemocrático, no final das contas, é o emprego da ordem legal como instrumento de reestruturação social.

Como parte integrante das classes dominantes, os conglomerados privados na área de comunicação, e seus prestimosos funcionários, não têm qualquer pudor em manejar torneios verbais de ocultamento e prestidigitação da realidade.

Voltemos ao editorial. O trecho em destaque vai além de um canhestro exercício de política comparada. Revela motivações bem mais profundas e significativas. "Mas, se as chamadas "ditabrandas" - caso do Brasil entre 1964 e 1985 - partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça, o novo autoritarismo latino-americano, inaugurado por Alberto Fujimori no Peru, faz o caminho inverso".

Ao comparar o movimento político liderado por Chávez com a ditadura militar brasileira, a Folha não incorre em equívoco de um "articulista desavisado". Assume editorialmente a defesa dos golpistas de Pindorama. O neologismo "ditabranda" é usado pelos filhos de quem nunca negou apoio ao terrorismo de Estado. Pelo contrário, o empréstimo de peruas C-14 do jornal para transporte de presos mostra total alinhamento dos Frias com centros de torturas e seus comandantes mais conhecidos.

Em 1969, com o lançamento da Operação Bandeirantes (OBAN), antecedente dos DOI-Codi, a estrutura de terror estava praticamente montada. Financiada por setores do grande empresariado, a OBAN tinha a tarefa, definida após anos de discussão, em órgãos como a Escola Superior de Guerra, de centralizar toda a operação repressiva do Estado. Não lhe faltou apoio logístico da Folha da Tarde.

A "ditabranda" teve duas constituições e não respeitou nenhuma delas.O que prevalecia era uma lógica militar que devia obediência aos regulamentos internos de quartéis e aos altos comandantes do regime. Suas "ditabrandas" formas de convencimento incluíam torturas de vários tipos: espancamentos, telefones (tapas simultâneos nos dois ouvidos), corredor polonês (fila dupla de espancadores), pau-de-arara, choque elétrico, afogamentos, entre tantas outras "técnicas".

Em documento publicado pelo Congresso Nacional, conforme registrou a revista Retrato do Brasil, em 1984, havia uma "Relação parcial sobre brasileiros mortos após 64", dando conta de 197 casos até 1979, 147 dos quais só no período Médici, exatamente quando a Folha mais colaborou com o regime. Quantos mortos e torturados foram transportados por suas “ditabrandas” peruas?

Como os carros alegóricos já estavam na rua, os leitores que questionaram o editorial conheceram a ira do carnavalesco. O enredo de vilezas não acabou no editorial. A ele sobreveio a ridícula "Nota da Redação" de 19/2, com o "ditadômetro"; seguida da torpe e covarde, porque oculta no anonimato da "Redação", agressão a Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato.

Com a ligeireza dos passistas de porões, a Folha se justifica com a mesma explicação dada ao personagem Anna de la Mesa, no magistral filme de Julie Gavras: A culpa é de Fidel. E não se fala mais nisso.

Ver José Serra na presidência foi um sonho não realizado pelo patriarca da família Frias. Seus filhos não poupam esforços para realizá-lo. Seria interessante saber o que pensa de tudo isso o atual governador de São Paulo. Afinal, ele foi presidente da UNE, militou na Ação Popular (AP) e, com o golpe militar, viveu no exílio até 1978. Tido por muitos como um quadro “progressista” do PSDB”, deveria tecer alguma consideração sobre a “ditabranda” do jornal que o apóia. Serviria para esclarecer o que significa ser “ de esquerda” no tucanato


Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa..


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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A rápida transmissão da crise para os países asiáticos



Os efeitos da recessão norte-americana sobre a economia asiática geralmente são minimizados, e a resposta regional à crise não é suficiente. O problema foi encarado em dezembro, na reunião-cúpula trilateral dos líderes da China, Coréia do Sul e Japão, e em numerosas reuniões bilaterais. À primeira vista, a ação coordenada empreendida pelas três potências pode ser significativa, pois contam com 75% do produto interno bruto da Ásia Oriental e com 67% de seu intercâmbio comercial. Existem, entretanto, razões para o ceticismo.

Primeiramente, o projeto de criação de uma área comercial regional foi alvo de idas e vindas durante os últimos 15 anos e de escassa implementação. Em segundo lugar, a coordenação intergovernamental de políticas econômicas para enfrentar a crise não tem um bom histórico. Não só os Estados Unidos vetaram o Fundo Monetário Asiático (FMA) proposto pelo Japão durante a crise financeira de 1997. A China também se opôs por medo que se convertesse em veículo de uma hegemonia japonesa.

Em terceiro lugar, das numerosas reuniões realizadas nestes meses, pode-se dizer que foi uma montanha que pariu um rato. As medidas para estender o uso de facilidades de intercâmbios monetários bilaterais sob o acordo entre os dez países da Associação de Nações do Sudeste Asiático e China, Japão e Coréia (Asean+3), bem como para injetar mais capital no Banco Asiático de Desenvolvimento, foram tímidas. Nenhuma das três potências fixou uma quantia específica para suas contribuições e há uma década a evolução institucional da Asean+3 não concretizou acordos para apoiar as moedas regionais submetidas a ataques especulativos.

A cooperação econômica interasiática é de grande importância porque foi a demanda chinesa que trouxe à tona as economias regionais, incluindo as da Coréia do Sul e do Japão, das profundidades da crise financeira nos primeiros anos desta década. No Japão, uma estagnação decenal foi quebrada em 2003, graças ao recorde de exportações de capitais e de tecnologia para a China. Por certo, a China se converteu no principal destino das exportações da Ásia em geral.

Esse papel positivo desempenhado pela “locomotiva chinesa” lançou otimismo sobre a hipótese de que o crescimento dos países asiáticos pudesse prosseguir apesar da atual recessão nos Estados Unidos. Mas uma pesquisa feita pelos economistas C. P. Chandrasekhar e Jayati Ghosh destaca que uma grande parte das importações chinesas de bens intermediários e peças do Japão, da Coréia e da Asean estava destinada apenas à fabricação de bens acabados para exportar para Estados Unidos e Europa, e não para seu mercado interno. Portanto, “se cai a demanda de exportações chinesas para Estados Unidos e União Européia, isso não só afetará a produção manufatureira chinesa, mas também a demanda por produtos importados de seus vizinhos asiáticos”, afirmaram.

A rápida transmissão para a Ásia do colapso de seu principal mercado desmentiu a hipotética desconexão com a recessão norte-americana. A mais correta imagem das relações Estados Unidos-Ásia é a dos prisioneiros acorrentados que também inclui China e Estados Unidos a uma multidão de economias-satélites, cujos destinos estão atados ao balão que murcha do consumismo financiado mediante o endividamento da classe média norte-americana.

A crise atual não é uma simples recessão e tem um significado adicional para a Ásia Oriental. Trata-se do fim de uma era de industrialização voltada à exportação que começou na década de 60, quando Coréia do Sul e Taiwan embarcaram em um processo de desenvolvimento que manteve atado seu crescimento ao mercado dos Estados Unidos. Incentivados pelo Banco Mundial a ‘fazer esforços especiais para afastar suas indústrias de substituição de importações dirigidas aos relativamente pequenos mercados internos e orientá-las para as muito superiores oportunidades oferecidas pela promoção de exportações”, os países do Sudeste da Ásia seguiram o conselho nas décadas de 70 e 80.

A integração regional ou a união dos mercados nacionais mediante a recíproca queda de tarifas aduaneiras enquanto os mantém fora da região é outra política possível diante do enfraquecimento do mercado norte-americano. As diferentes elites econômicas, entretanto, são muito zelosas de seus mercados nacionais, enquanto os tecnocratas governamentais, apesar de terem propiciado o sonho de um mercado da Ásia Oriental de 1,9 bilhão de consumidores, não demonstram entusiasmo para empreender esse caminho. Embora a atual crise pudesse animá-los a dar alguns passos nessa direção, a distância entre a retórica do regionalismo e a realidade dos mercados separados e das políticas econômicas independentes continuará sendo grande.

* Walden Bello é professor de Sociologia na Universidade das Filipinas e analista do centro de pesquisas Focus on the Global South, de Bangcoc.


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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Conservadores e direita radical avançam na eleição em Israel



O Kadima de Tsipi Livni venceu as eleições israelenses, mas apenas pela margem mínima de um deputado. Resultado: tanto ela quanto Benjamin Netanyahu, do Likud, que ficou em segundo lugar, cantaram vitória. Ambos já se lançaram na corrida para tentar garantir uma coligação maioritária. O fiel da balança é o partido ultra-direitista Israel Beiteinou, de Avigdor Lieberman.

Faltando apenas contar os votos dos israelenses no exterior, o Kadima obteve 28 lugares no Parlamento de Israel, perdendo um deputado. O Likud, de Benjamin Netanyahu foi o partido que mais avançou, passando de 19 para os 27 lugares. No terceiro posto ficou o Israel Beiteinou, que subiu de 11 para 15 deputados, relegando para o quarto posto o Partido Trabalhista do ministro da Defesa, Ehud Barak, que elegeu 13 deputados, perdendo seis. O ultra-ortodoxo Shas perdeu um deputado, elegendo 11.

Tzipi Livni declarou-se vitoriosa e exigiu o respeito pela vontade popular. "O povo escolheu o Kadima", proclamou Livni, defendendo que "agora é necessário respeitar a escolha dos eleitores, respeitar a decisão das urnas, e formar um governo de União Nacional sobre a nossa direcção". Mas, a menos que consiga chegar a um acordo com o Likud ou com Lieberman, as hipóteses de Livni conseguir o apoio de 61 deputados parecem inexistentes.

Consciente de que está melhor colocado na corrida para formar governo, Benjamin Netanyahu fez igualmente um discurso de vitória, apesar de ter ficado em 2º lugar. "O povo exprimiu-se claramente, o campo nacional, dirigido pelo Likud, regista um claro avanço", afirmou.

Já Avigdor Lieberman deixou em aberto as suas opções, mostrando-se disposto a negociar com Livni e com Netanyahu, apesar de reconhecer que pende para o lado do Likud: "Nós sempre quisemos um governo nacional, um governo de direita e espero que o consigamos", disse.

Lieberman defende que o próximo governo israelense tem de "derrotar o Hamas" e rejeitar qualquer negociação de tréguas.

Os conservadores e a direita radical nunca foram tão fortes desde que Menahem Begin conseguiu em 1977 a primeira vitória do Likud. Os deputados conquistados pelos partidos da direita e a ultra-direita, os que representam o voto dos colonos, e dos ultra-ortodoxos chegaram ao seu nível mais alto, beirando os 65. Antes eram 53.

O afundamento do Partido Trabalhista, o fundador do Estado de Israel, com apenas 13 deputados, adquire dimensão histórica, comenta o diário espanhol El País.

Logo depois da publicação dos resultados oficiais, dentro de uma semana, o presidente Shimon Peres deverá ouvir todos os partidos e decidir se nomeará a líder do maior partido, Tzipi Livni, ou o líder do maior bloco, Benjamin Netanyahu, para formar o novo governo. Quem quer que seja nomeado disporá de seis semanas para concluir a tarefa.



Fotos: Haaretz

O Dossiê-Israel

O governo de Israel acaba de ser surpreendido. E a ministra de Relações Exteriores, Tzipi Livni, uma ex-007 do Mossad, parece já ter percebido que a sua desmedida ambição em ocupar a cadeira do premier Ehud Olmert poderá colocar os principais integrantes do conselho de ministros israelense no banco dos réus do Tribunal Penal Internacional (TPI).

O novo quadro pode ser mais bem compreendido quando se analisa o período que antecedeu os 22 dias de guerra na Faixa de Gaza. Uma tragédia com 1,3 mil palestinos mortos, entre crianças, mulheres, idosos, enfermos, chefes de família e integrantes do Hamas.

Atolado em denúncias de corrupção, o premier Olmert era avaliado pela opinião pública como fraco e incapaz de reagir às provocações do Hamas, que tornou rotina o disparo de desgovernados foguetes Qassam (leva o nome de antigo líder palestino da década de 30) em território israelense de fronteira, com mortes e danos materiais.

De olho nas eleições e interessada em reverter a tendência em favor do radical Likud, liderado pelo beligerante e ocupacionista Benjamin Netanyahu, a ministra Livni apostou numa guerra arrasadora e rápida contra o Hamas.

O ministro da Defesa, Ehud Barak, também interessado em ser premier, resistiu inicialmente à reação desproporcional pretendida pela dupla Livni-Olmert. Para Barak, a resposta às provocações eram necessárias, mas com reação pontual, ou seja, bombardeamentos dos túneis, na fronteira com o Egito, por onde passavam armamentos e munições para o Hamas.

A proposta de guerra entusiasmou Olmert, até para refazer a imagem de homem fraco e esconder a de corrupto, ao tempo que fora prefeito de Jerusalém. Barak cedeu e Livni, no início, vibrou com a aprovação à guerra revelada em pesquisa realizada entre israelenses.

Não esperava Livni que fosse continuar, depois do cessar-fogo, atrás de Netanyahu nas pesquisas de intenção de voto. Este uma “tragédia anunciada”, caso saia vencedor na eleição. Muito menos esperava ela que o TPI fosse, pelo Ministério Público, abrir um “dossiê” sobre crimes de guerra perpetrados por Israel.
Israel poderá, em breve, entrar em outra guerra, agora jurídica. Não em Gaza, mas em Haia, sede do TPI.

Do “Dossiê-Israel” constam: 1. Denúncia que oito organizações não-governamentais judaicas (ONGs) apresentaram à Justiça de Israel, pela reação desproporcional em face das provocações do Hamas. 2. Sindicância da ONU ainda em andamento e a cargo do finlandês Martti Ahtisaari sobre os cinco prédios bombardeados por Israel. 3. Representações da Anistia Internacional e da Liga Árabe. 4. Uso de fósforo branco nos bombardeios. 5. Relatórios sobre ataques às mesquitas, aos hospitais e às escolas em Beit Lahiya e Jabaliya, com registro de Israel haver alegado que eram usados como escudos pelo Hamas. 6. Relatório do escritório da ONU em Ramallah. 7. Agressões desmotivadas a civis não envolvidos no conflito.

O professor Eyal Benvenisti, titular de Direito Internacional da Universidade de Tel-Aviv, em entrevistas, disse que o TPI não tem jurisdição sobre Israel. Essa sua conclusão não conta com unanimidade e existem os precedentes e jurisprudências com relação a Darfur (Sudão) e à Costa do Marfim.

Com efeito, Israel subscreveu a Convenção de Roma de 1998, criadora do TPI. Não a ratificou. Vale dizer, e ao contrário de 108 Estados membros da ONU, não aceitou a jurisdição internacional.

Ocorre que o lugar do conflito não foi em Israel, mas em Gaza, desocupada pelos israelenses em 2006. Não aceitar a jurisdição internacional só é legítimo sobre fato acontecido no seu território. Assim, os responsáveis podem ser processados. Para o TPI, competente para julgar crimes de genocídio, de guerra e contra os direitos humanos, o lugar da consumação dos crimes conta muito.

Os tratadistas em Direito Internacional ensinam que, num processo no TPI, haverá sempre a necessidade de um Estado ofendido. Ora, na Faixa de Gaza existe um governo, sem Estado criado. Nominalmente, o governo seria representado pela Autoridade Nacional Palestina. De fato, o governo em Gaza é do Hamas, que não conta com reconhecimento internacional.

Não seria absurdo concluir, entretanto, que na Palestina existe, de fato, um Estado. Como Estado de fato poderá aceitar a jurisdição ad hoc do TPI (ad hoc para os fatos ocorridos no seu território nos 22 dias de guerra), conforme artigo 12, parágrafo 3º, do estatuto que rege o tribunal.

A Israel favorece apenas o fato de o estatuto do TPI estabelecer que a sua jurisdição é subsidiária. Vale dizer: o tribunal pode atuar apenas quando o Estado membro da ONU se omitir. A Justiça do Estado de Israel está apurando as denúncias das oito ONGs judaicas e o emprego de fósforo branco mencionados no Dossiê-Israel.


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Obama piscou

A sinuca de Barack Obama é a mesma que acomete todos os governantes em períodos de crise sistêmica, radical. Acaba um ciclo. Setores líderes do ciclo que se encerra ficam inviáveis, mas conservam o poder político. Tem que se partir para o ciclo seguinte, mas esses setores ficam pairando como lastro de balão, impedindo o nascimento do novo ciclo.

No caso norte-americano, o problema é o sistema financeiro, os chamados bancos-zumbis, que quebraram com a crise. Eles estão empanturrados de derivativos tóxicos e de créditos de difícil recebimento.

Haveria dois caminhos para solucionar o problema.

O correto seguiria o modelo do nosso PROER. Esta semana o Luiz Carlos Mendonça de Barros escreveu um artigo didático na Folha sobre o modelo.

Em vez de criar um “bad bank” para comprar os títulos podres dos bancos-zumbis, o governo americano deveria criar um banco para comprar os ativos sadios desses bancos.

É o modelo universalmente consagrado de compra de empresas quebradas. Separa-se a parte boa e vende-se. Com os recursos apurados, cobre-se parte do rombo. Se a parte podre for maior, ou os controladores aportam novos recursos ou simplesmente o banco restante vira pó.

Com isso, dos escombros dos bancos-zumbis nasceria um novo banco, imenso, estatal no início, mas que poderia ser privatizado depois (de acordo com as tradições americanas), com porte e condições de revascularizar o sistema de crédito norte-americano e global. Mas significaria também que os acionistas e controladores dos bancos quebrados morreriam com o mico.

Essa solução lógica esbarra no poder políticos dos zumbis e nas vinculações ideológicas das pessoas incumbidas de pensar o plano de salvação - quase todas ligadas ao mercado financeiro.

Assim, fica-se nessa história de limpar os bancos dos ativos tóxicos permitindo a salvação dos controladores e acionistas. Com isso, a crise se aprofunda agudamente. A insegurança continuará, os recursos envolvidos não resultarão na volta do crédito em um momento em que a economia mundial caminha para o estágio mais perigoso: a deflação de ativos (isto é, os preços dos ativos despencando e trazendo novos rombos para a estrutura de capital das empresas e dos bancos).

Infelizmente, Omaba piscou. Esses momentos de crise aguda exigem decisões de ruptura, não de contemporização.

Enviado por: luisnassif

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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Ana Maria morre de rir da Miriam Leitão

. Conheci Ana Maria, gerente de vendas de todas as seis concessionárias Fiat da Itavema em São Paulo.

. A Itavema é a maior revendedora de automóveis do Brasil, com mais de 60 lojas.

. De novembro para cá, a Ana Maria me disse que as vendas nas seis lojas Fiat de carros novos subiram 60%.

. 60%!

. A retirada do IPI aproximou o valor do carro novo do valor do carro usado e a loja da Ana Maria na Barra Funda no sábado ao meio dia tinha mais compradores do que leitores do PiG(*)

. Eu perguntei a Ana Maria pela crise

. A Ana Mareia respondeu: crise?

Publicado por admin


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PMDB já manda na Polícia Federal. Acabou a corrupção no Brasil


Da coluna Rosa dos Ventos, de Maurício Dias, na Carta Capital:

“Eminência parda – Tarso genro, ministro da Justiça, já está às voltas com a ‘nova’ cara do poder no Senado. Ele foi procurado por juízes e advogados interessados em resolver a situação da Justiça Eleitoral em Alagoas, onde 300 processos se arrastam sem solução. A comissão pediu envio de uma força da Polícia Federal para ajudar a concluir as investigações e Tarso Genro não disse nem sim nem não. Imobilizado, segundo se diz, por um telefonema do senador Renan Calheiros.”

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o deputado do Castelo é o máximo, um empreendedor


o castelo do deputado Edmar Moreira, ex-capitão PM e dono de empresas de segurança.

. Ele é o homem que ia punir os deputados corruptos, na “jestão” de Michel Temer.

. A sugestão de ir à Veja foi do navegante Rafael Nardini :

Lembra do democrata (!?) encastelado?
Pois é, a Veja fez uma matéria, digamos, elogiosa pelo seu espírito empreendedor.

Recém-escolhido para o cargo de corregedor da Câmara, o deputado pefelista Edmar Moreira deverá ser punido por não ter declarado ao Fisco um castelo de R$ 25 milhões, em São João Nepomuceno (MG). Edmar Moreira, empossado nesta semana pelo novo presidente da Casa, Michel Temer, alega que o imóvel pertence a seu filho.
O corregedor, que tem a função de apurar a quebra de decoro dos parlamentares, poderá ser, ele próprio, a primeira quebra de decoro da administração de Temer.


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Crise econômica mundial: Moeda, mediação e intervenção do Estado


Ademir Buitoni

1. O CARÁTER MONETÁRIO DA CRISE GLOBAL
O ano de 2008 registrou uma das mais graves e profundas crises econômicas dos últimos cem anos, com conseqüências ainda imprevisíveis para a vida dos cidadãos deste complexo mundo do século XXI. Trata-se de uma crise que só superficial e aparentemente tem origem nas questões do inadimplemento das hipotecas americanas (sub prime), mas que, na verdade, vem se desenhando há muito mais tempo no atual sistema econômico capitalista.

O Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz avaliou que essa crise representou a queda do conceito do fundamentalismo do mercado livre, assim como a queda do Muro de Berlim foi o símbolo do fim do comunismo. Disse ele: ”O programa da globalização esteve estreitamente ligado aos fundamentalistas do mercado: a ideologia dos mercados livres e a liberalização financeira. Nesta crise observamos que as instituições mais baseadas no mercado vieram abaixo e correram a pedir ajuda do Estado. Todo mundo dirá agora que este é o final do fundamentalismo de mercado. Neste sentido a crise de Wall Street é para o fundamentalismo de mercado o que a queda do muro de Berlim foi para o comunismo: ela diz ao mundo que este modo de organização econômica é insustentável” (cf.Joseph Stiglitz, entrevista para El Pais, Nathan Gardels, 25.9.08).

A dimensão da crise parece ser mais ampla atingindo, inclusive, outros campos da atividade humana, ligados á ecologia, produção de energia e alimentos, como já foi também observado:

Nunca havia acontecido antes. Pela primeira vez na história da economia moderna, três crises de grande amplitude – financeira, energética e alimentar – estão em conjunção, confluindo e combinando-se. Cada uma delas interage sobre as demais, agravando, de modo exponencial, a deterioração da economia real. Por mais que as autoridades se esforcem em minimizar a gravidade do momento, o certo é que nos encontramos diante de um sismo econômico de magnitude inédita, cujos efeitos sociais, que mal começaram a se fazer sentir, explodirão nos próximos meses com toda a brutalidade.” (cf. Ignácio Ramonet, Le Monde Diplomatique, julho/2008). Em decorrência mesmo de vivermos numa sociedade globalizada a crise assume proporções globais.

Nosso foco, porém, neste artigo, é analisar mais o caráter financeiro da crise, ou seja, as questões ligadas, sobretudo ao fenômeno da moeda, ao fluxo monetário mundial, assuntos pertinentes basicamente ao uso simbólico da moeda. Vamos discutir o que é e como funciona, no centro da crise, essa formidável e idolatrada invenção humana: a moeda.

Nas outras crises econômicas as discussões principais foram ligadas ao excesso ou escassez de produção de mercadorias, ao controle de preços, a dominação de mercados, proibição de importações, estímulo de exportações ou problemas análogos. O problema agora é o dinheiro, a moeda, é como lidar com o complexo mercado financeiro nacional e internacional. O funcionamento e utilização da moeda, que o liberalismo tratou com tolerância, quase sem limites, nos últimos anos, entrou em crise, apresentando surpresas, anomalias e instabilidades difíceis de serem controladas. Isso levou, recentemente, o conhecido economista Alan Greespan, ex-presidente do Fed (O Banco Central dos Estados Unidos), a declarar que errou, parcialmente, ao acreditar que as instituições financeiras não seriam irresponsáveis nos empréstimos, como foram (cf. Folha de São Paulo, 26/10/2008, “Greespan admite ter errado parcialmente”).

Os governos dos Estados Unidos da América do Norte, da União Européia, Japão, da maioria dos países, inclusive o Brasil, passaram a intervir para ajudar os bancos, empresas de seguro e outras, visando proteger os interesses e a poupança dos cidadãos, enfim de todos, ameaçados de perder o dinheiro. O Estado vem atuando fortemente como Interventor visando manter o funcionamento do sistema econômico vigente e resolver a crise, pois a ideologia do Mercado livre se mostrou sem condições para tanto.

Nesse contexto, parece ser necessário voltar a refletir sobre a moeda, sua origem, seu significado, sua finalidade, pois acabamos achando tão natural usar o dinheiro que esquecemos que ela é um produto da civilização humana, um instrumento mediador para facilitar a atividade social da humanidade. A moeda não é a finalidade principal do sistema econômico. A moeda é um meio e não o fim da atividade econômica, como discutiremos a seguir.

2. A MOEDA COMO SÍMBOLO
A origem da moeda, apesar de não haver precisão absoluta, é atribuída aos Lídios, no século VII, entre 687 e 650 A.C, pois eles unificaram o sistema de cunhagem. (Rivoire,1985, 9). Mas antes disso, no terceiro milênio AC já existia o ouro como unidade de conta no Egito e a prata na Mesopotâmia. Os chineses a partir do séc. IX AC, usavam o bronze como meio de pagamento, em diversas formas de inscrições gravadas.

Ou seja, a moeda não existia num estágio anterior da civilização, ela aparece junto com as formas mais evoluídas de organização social, substituindo o escambo ou troca material de mercadorias por mercadorias equivalentes, por um padrão mais abstrato de troca. A partir da Grécia e da Pérsia, sobretudo, a moeda vai se espalhar pelo Mediterrâneo, vai para Roma, para todo o Ocidente medieval e renascentista, sendo então objeto de estudos de Teólogos, de Filósofos, como Platão, e outros pensadores.

Desde sua criação a moeda passou a representar um instrumento poderoso de realização dos desejos do ser humano, pela suas principais funções de: instrumento de troca, padrão de valor, meio de pagamento e reserva de valor. Possuir moeda, nesse contexto, passou a significar possuir poder, ter acesso aos bens materiais, poder comprar mercadorias, utilidades e outros bens.

A partir da invenção da moeda os fenômenos monetários passaram a intrigar e inquietar a atividade da sociedade. Talvez a moeda seja a realidade que penetra mais intimamente na vida privada de cada um, pois é, principalmente, pela mediação monetária que as pessoas satisfazem suas necessidades e desejos.

Este mundo global é cada vez mais penetrado pelo fato econômico e pelo predomínio do capital financeiro sobre o capital produtivo. De outro lado, o capitalismo para operar necessita da estrutura da regulamentação jurídica. Então cabe indagar: Qual a contribuição do Direito diante do fenômeno monetário?

Várias abordagens podem servir para discutir a natureza da moeda: seria a moeda fruto da necessidade econômica? Da linguagem jurídica? Da cobiça? Da violência? Da soberania do Estado?

A moeda se presta a diferentes tipos de análise, é difícil entender a moeda, como já bem observado: "A teoria monetária é como um jardim japonês... uma simplicidade aparente esconde uma sofisticada realidade” (Friedman, 1992, 23).

Dentro dessa complexidade, o tratamento mais adequado, a nosso ver, é encarar a moeda como símbolo porque nos parece mais próximo do aspecto jurídico: símbolo é convenção e o Direito Positivo depende, basicamente, das convenções. Mas o conceito de símbolo vem da linguagem humana, daí a necessidade de recorrer a conceitos da Semiótica.

A linguagem utiliza signos. Na definição de Pierce o signo “é um cognoscível, que por um lado é determinado por algo que não ele mesmo, denominado de seu objeto, enquanto, por outro lado, determina alguma mente concreta ou potencial” (Pierce, 1960,160) Ou, de um modo mais simples: "Signo é uma coisa que representa outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. Ora, o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do objeto” (Santaella, 1988, 78). Portanto, o signo representa o objeto, mas com ele não se confunde. Símbolos, portanto, são tipos gerais aceitos por convenção como representantes do objeto. "Sendo uma lei, em relação ao seu objeto o signo é um símbolo. Isto porque ele não representa seu objeto em virtude do caráter de sua qualidade (hipoícone), nem por manter em relação ao seu objeto uma conexão de fato (índice), mas extrai seu poder de representação porque é portador de uma lei que, por convenção ou pacto coletivo, determina que aquele signo represente seu objeto” (Santaella, 1988, 91,92).

Nesse sentido a moeda é um símbolo porque assim foi convencionado, substitui o objeto que representa. A moeda é signo de grande poder de representação: substitui uma série indefinida de objetos, mediando quase todas as trocas num determinado contexto econômico. A moeda, além disso, é símbolo porque resulta de uma convenção social, impondo-se a todos como representante geral do valor de bens e serviços desejados pelas pessoas. A moeda é de tamanha utilidade que sua posse e acumulação acabou definindo um modelo de sistema econômico, o capitalismo, em que o dinheiro é o elemento principal do sistema.

Ter e usar o dinheiro acabou sendo tão natural que o ser humano talvez tenha perdido a consciência do artifício que representa a moeda. Mas a moeda continua sendo criação humana do mesmo modo que a fala. ”A moeda é tão pouco natural quanto o é a fala" (Aglieta, 1990, 25). Como falamos, espontaneamente, usamos moedas, espontaneamente.

A moeda tornou-se, assim, um dos símbolos mais conhecidos e desejados do mundo, fazendo as pessoas confundirem a representação simbólica com a realidade. Mas ela não é uma realidade por si mesma, é um símbolo a que se atribuiu valor. O monetarista Milton Friedman é categórico: “Os pedaços de papel verde têm valor porque todo mundo acha que eles têm valor”. Todo mundo pensa que eles têm valor porque, segundo a experiência de todos, tiveram valor.

Essa ficção não é nada frágil. Pelo contrário, o valor de ter uma moeda comum é tão grande, que as pessoas defenderão a ficção mesmo sob uma provocação extrema. Mas também a ficção não é indestrutível: a frase americana “não vale um continental “ é um lembrete de como a ficção foi destruída pela quantidade excessiva de moeda continental que o Congresso Continental emitiu para financiar a Revolução Americana” (Friedman, 1992, 23)”.

Como todo símbolo, a moeda para ser forte deve ser respeitada, ter credibilidade. Porém, a atual crise econômica mundial é um desses momentos críticos em que o símbolo-moeda perde o prestígio. Quando isso acontece a história mostra que as economias não voltam ao escambo, ou seja, á economia das trocas das mercadorias por outras mercadorias, mas, pelo contrário, mantêm a moeda trocando-a por outro símbolo, eliminando moedas ruins, criando novas regras jurídicas para o mercado e procedimentos afins, como estamos assistindo no mundo todo.

A moeda, de uma forma ou de outra sobrevive. É impossível neste momento, imaginar uma economia não-monetária. Inexiste outro símbolo que faça o papel da moeda: a moeda tem sido insubstituível desde seu surgimento. Como símbolo acabou sendo o símbolo máximo, de maior importância, do sistema econômico capitalista global, suplantando os demais símbolos nacionais, religiosos, políticos, ideológicos e afins.
Por outro lado, não cabe ao campo de conhecimento da Economia, mas ao Ordenamento Jurídico dar valor á moeda e definir suas funções como veremos a seguir.

3. FUNÇÕES DA MOEDA
A moeda oscila entre a Economia e o Direito do ponto de vista funcional. Nascida na prática para mediar as trocas de mercadorias, com o tempo foi se tornando cada vez mais dependente da ordem jurídica e, modernamente, do Estado que possui o monopólio da emissão da moeda.

Isso não significa que a Moeda deixou de ser um símbolo de valor, mas que o Direito deu uma nova estrutura ás funções da moeda. As funções básicas da moeda são: padrão de valor, instrumento de troca, meio de pagamento e reserva de valor. Do ponto de vista da Economia prevalece a função de instrumento de troca e de reserva de valor. A partir do pós-guerra, de 1945 em diante, a função principal tem sido de reserva de valor, acompanhando justamente a evolução do capitalismo produtivo para o financeiro.

A “financeirização” da economia, que chegou ao auge agora, representa também o aspecto predominante da atual crise.

Para o Direito a função predominante da Moeda é a de meio de pagamento e padrão de valor. Mas, na verdade, todas essas funções interagem, umas com as outras, numa complexidade que só para efeitos de análise se distinguem. Tais funções são regulamentadas pelo ordenamento jurídico de cada Estado, variando conforme o contexto econômico.

Historicamente a função mais importante da moeda sempre foi como instrumento de troca, e talvez seja necessário voltar a enfatizar essa função básica da moeda.

Com efeito, no clássico Tratado de Economia Política, Jean Baptiste Say, em 1803, assim descreveu a função da moeda: "Se existir na sociedade uma mercadoria procurada, não em razão dos serviços que, em si mesma, dela possamos tirar, em razão da facilidade encontrada em trocá-la por todos os produtos necessários ao consumo, uma mercadoria tal que possamos adequar exatamente à quantidade que entregamos dela ao valor do que se deseja ter será somente essa mercadoria que nosso cuteleiro procurará obter em troca de suas facas, porque a experiência lhe ensinou que, com ela, obterá facilmente, mediante outra troca, pão ou qualquer outro artigo de que possa precisar. Essa mercadoria é a moeda”. (Say, 1983, 210).

O economista moderno, Milton Friedman define a função da moeda de forma parecida: "... a moeda é aquilo que é aceito por todos em troca de bens e serviços - aceito não como um objeto para ser consumido, mas como um objeto que representa um conteúdo temporário de poder aquisitivo a ser usado para comprar outros bens e serviços" (Friedman, 1992,28).

Essa função básica da moeda, de ser meio de troca, é universal. Porém, como já dito, ela foi se tornando cada vez mais reserva de valor, ou seja, sendo objeto de negociação como mercadoria moeda, acumulando valores que geraram um novo tipo de mercado, o financeiro. A moeda, enfim, se tornou a mercadoria mais valiosa do sistema. Isso está na base da crise atual, em que o Mercado Financeiro passou a atuar sem que o Estado pudesse saber ou regular o que os agentes econômicos estavam fazendo com a moeda.

Há uma tendência em voltar a ler os clássicos, como Marx, que já havia apontado o inadequado uso da moeda como reserva de valor. Usar a moeda como mercadoria é inverter a ordem natural das coisas, pois o valor essencial estaria na natureza e no trabalho social: "Desde que o dinheiro, noção existente e manifesta de valor, confunde e troca todas as coisas, ele é a confusão geral e a troca de todas as coisas, sendo, pois o mundo invertido, a confusão e a troca de todas as propriedades naturais e humanas". (Marx, 1963,107)

Na verdade a crítica marxista retoma sob outro enfoque, o que os teólogos e filósofos falavam da moeda antes do capitalismo se tornar o regime dominante, a começar por Aristóteles, no livro V da Ética:

”A moeda foi instituída por convenção, e por essa razão ela é chamada de nómisma, ou seja, pela lei, porque justamente tem valor por lei e não por natureza, e porque está em nosso poder modificá-la e torná-la sem valor” (Galiani, 2008, 72).

Talvez a solução da crise exija reavaliar o sistema monetário como um todo.
Aí entra o problema da disciplina jurídica da moeda, da organização internacional do sistema monetário e, em última análise, o problema da estabilidade econômica. Porém, não é exclusividade do Direito, nem da Economia, solucionar o problema.

A eficiência da racionalidade econômica e jurídica parecem colocadas em dúvida diante da crise. O dogma de um Direito Positivo onipotente, racional, capaz de dar segurança à vida social e econômica, neste momento está sendo questionado. A racionalidade de que falava Max Weber no século XIX: “O domínio universal da relação associativa de mercado exige, por um lado, um funcionamento do direito calculável segundo regras racionais” (Weber, 1991, 227), tem se mostrado difícil de alcançar na Economia e no Direito. Os fatores psicológicos, sociais, culturais e afins, o conceito de sociedade complexa, uma mescla de ordem e desordem são cada vez mais valorizados, sobretudo após a longa experiência da Conferência de Breton Woods (1944), que criou o FMI, sem que, após mais de 60 anos, tenha sido alcançada a almejada estabilidade econômica mundial.

Parte do desafio atual é, justamente esse: como sair desse dualismo binário entre Mercado e Estado? Entre normas de Direito e de Economia?
Não há ortodoxia ou heterodoxia que resista a uma crise global como esta! A resposta ainda não existe, é preciso encontrar um paradigma novo de vida econômica e social.

Uma das propostas de novo paradigma que vêm sendo desenvolvidas em várias áreas de conhecimento, inclusive no Direito, tem sido a Mediação.
O Estado, por exemplo, ao invés de atuar como Interventor no Mercado poderia atuar mais como Mediador, e isso seria uma alternativa criativa para desenvolver um novo modelo econômico. Vejamos, brevemente, essa alternativa.

4. O ESTADO: ENTRE A INTERVENÇÃO E A MEDIAÇÃO
O Estado tem atuado na ordem econômica mundial, em geral, como interventor ou regulamentador do Mercado. No nosso caso específico do Brasil a atuação do Estado na ordem econômica está definida na Constituição, como um agente normativo e fiscalizador, como detentor de monopólio, como indutor do desenvolvimento econômico (Constituição Federal, art.170 a 181). Poderia, no entanto, atuar mais como um Mediador dos interesses da coletividade. Talvez seja necessário nesta crise redefinir o papel do Estado para que ele atue como Mediador nos conflitos e na atividade econômica. De outro lado a sociedade civil poderia se organizar mais para decidir os rumos da vida , sem depender do bom ou mau funcionamento do Estado. Seria importante que a própria atividade de Mediação fosse incentivada pelo Estado ou adotada pelo Estado conceitualmente, como meio de solução de conflitos nacionais e internacionais. Nesse sentido, o que seria Mediação e seu papel?

Conceitualmente, a Mediação é uma forma de autocomposição dos conflitos, com o auxílio de um terceiro imparcial, que nada decide, mas apenas auxilia as partes na busca de uma solução. O Mediador fica no meio, não está nem de um lado e nem de outro, não adere a nenhuma das partes. É um terceiro mesmo, uma terceira parte, quebrando o sistema binário da solução tradicional do conflito. A Mediação busca livremente soluções, que podem mesmo não estar delimitadas pelo conflito, que podem ser criadas pelas partes, a partir de suas diferenças. A Mediação procura ir além das aparências explícitas, investigando os pressupostos implícitos do conflito. Muitas vezes, pode ser o aspecto legal o mais relevante fator a ser analisado, mas nem sempre isso acontece.

O sistema de Mediação é aberto a qualquer aspecto que possa estar causando o conflito. A Mediação é uma espécie de terapia do vínculo conflitivo. O sistema jurídico positivo na sua função judicial procura mais estabelecer a uniformidade, eliminar os desvios, penalizar os culpados, obter a normalidade comportamental. A Mediação trabalha, também, com o potencial transformador dos desvios, procurando integrá-los na formulação de uma nova solução.

A Mediação destaca o poder emancipatório, que existe em todo sistema jurídico, como fator mais importante do que o poder normativo. Uma sociedade para ser justa precisa, sem dúvida, de um mínimo de leis, porém precisa, sobretudo da boa fé, dos valores éticos e morais. Os romanos já haviam percebido, como observou Paulus, “non omne, quod licet, honestum est”, ou seja, nem tudo que é lícito é também honesto.

O Positivismo Jurídico acabou com essa preocupação secular, separando o direito, da moral e da ética. A Mediação recupera tudo isso, é um dos campos privilegiados para o cultivo da Ética, pois sem Ética o sistema econômico não funciona, a política não funciona, a sociedade não sobrevive com harmonia.

A prática da ética, nesta crise econômica mundial, é indispensável:

“A Humanidade deixou de constituir uma noção abstrata: é realidade vital, pois está, doravante, pela primeira vez ameaçada de morte, a Humanidade deixou de constituir uma noção somente ideal, tornou-se uma comunidade de vida; a Humanidade é, daqui em diante, sobretudo uma noção ética: é o que deve ser realizado por todos em cada um” (Marin, 2000, 114).

É difícil aceitar que, após tanto tempo de normativismo, os Estados continuem alimentando a pretensão de resolver os problemas sociais, ambientais, econômicos e afins, só pela Intervenção, através da regulamentação jurídica.

A crise econômica não exige só uma solução para a atividade financeira: ela atinge a sociedade como um todo, as relações privadas, públicas, culturais, sociais, psicológicas, políticas e afins.

A solução não virá pela elaboração de novas leis monetárias como já advertiu Jansen: ”Atribuir valor real ao ato jurídico (ou ao serviço ou mercadoria a que aluda aquele ato jurídico) seria criar uma realidade, e uma norma é um dever ser e não um ser. Se a norma atribuísse valor real ao ato jurídico - e não apenas nominal, através da elevação dos preços e salários (que são o valor dos atos jurídicos que dizem respeito a bens e serviços) poderíamos transformar um país paupérrimo no país mais rico do mundo, e não apenas inflacionar a economia". (Jansen, 1988, 17).

A crise não pode ser resolvida só com pacotes de legislação econômica, em país nenhum. O Direito e o Estado devem atuar como instrumentos mediáticos que podem ajudar a regulamentar aspectos da crise, mas não podem resolver totalmente a crise. A solução foge da área jurídica e se projeta na soma da colaboração de todos os agentes econômicos, sociais e políticos. O uso da moeda criou uma realidade muito complexa a ponto de ser difícil dar uma direção ao sistema monetário, controlar seu funcionamento, em meio à crise sistêmica que estamos vivendo.

O Estado, então, oscila entre intervir e mediar para solucionar a crise. No momento de crise as duas coisas precisam ser feitas concomitantemente: intervir e mediar. Mas a longo prazo o Estado só poderá exercer bem seu papel de organizador da coletividade, numa perspectiva de paz e desenvolvimento para todos, se atuar mais, conceitualmente, como Mediador, pois as soluções devem ser assumidas por todos. Acabou o tempo da dissociação entre governantes e governados, a crise é planetária. O que está em jogo é a possibilidade de viver num mundo ecologicamente equilibrado e isso depende da colaboração de todos.

5. CRISE ECONÔMICA E CRISE ECOLÓGICA
Na busca de uma solução para a crise econômica não podemos esquecer que o modelo econômico precisa ser modificado, sob pena de inviabilizar a vida no nosso planeta.

Vale lembrar a recente advertência de Jeffrey Sachs:

“No século XXI, nossa sociedade global florescerá ou perecerá, dependendo da nossa capacidade de encontrar um acordo mundial relacionado a um conjunto de objetivos compartilhados e os meios práticos para alcançá-los”. As pressões da escassez dos recursos energéticos, das crescentes crises ambientais, de uma população global cada vez maior, de migrações em massa – legais e ilegais – da transferência de poder econômico e de profundas desigualdades de renda são demasiadamente grandes para serem deixadas à mercê de forças do mercado e de uma livre competição geopolítica entre nações.

O resultado dessas crescentes tensões poderia, ser, perfeitamente, um choque de civilizações, o qual poderia vir a constituir nosso último e definitivo choque devastador. Para superarmos, pacificamente, essas dificuldades, teremos de aprender, em escala global, as mesmas lições básicas que as sociedades bem-sucedidas aprenderam, gradual e relutantemente, no interior de suas próprias fronteiras nacionais” (Sachs, 2008, 14).

Nesse contexto a atividade de todos pode ser orientada por um comportamento de Mediação, pelo quais os interesses vão sendo autocompostos para que se preserve permanentemente o ritmo social e econômico em bases sustentáveis, sem agredir a ecologia, sem colocar a natureza apenas a serviço do lucro.

Qualquer solução tem que levar em consideração o esgotamento do atual modelo energético, baseado no petróleo, o esgotamento do modelo alimentar, baseado na agricultura extensiva e na produção de gado e o esgotamento do modelo industrial que produz o efeito estufa e assim por diante.

É necessário consultar a população para saber em que tipo de sociedade pretendemos viver daqui para frente. Não basta mais os governantes agirem, nem a ONU, a OEA, a União Européia e outros organismos internacionais traçarem diretrizes de ação. A participação dos bilhões de seres humanos é indispensável. As soluções hão de ser coletivas, participativas e não mais impostas pela intervenção do Estado.

A crise mundial coloca a necessidade de resolver as contradições entre a predominância do Direito Privado, centrado na propriedade individual, e o Direito Público, centrado nos interesses gerais da população. O Direito, na verdade, é um todo indissociável. Da mesma forma, a economia não pode funcionar, eficazmente, só com base nas particularidades do individualismo possessivo e consumista em que mergulhamos. O sistema econômico individualista também tem limites. Esses limites devem ser consagrados, pedagogicamente, pelo ordenamento jurídico como uma sinalização do dever ser, do comportamento desejado como melhor para todos. Os Direitos Humanos foram consagrados pela ONU em 1948, pela primeira vez na história, e são parte do Direito Positivo. É oportuno enfatizar que o Direito se fundamenta na dignidade da pessoa humana, na moralidade, na ética e na honestidade, como aprendemos desde o Direito Romano (Honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere, ou seja, viver honestamente, não lesar ninguém, e dar a cada um o que é seu).

Não basta a racionalidade econômica e a eficiência, nem o planejamento estatal, ou privado, da economia. A crise atual tem muito de previsível, mas tem muito de acaso, pois o ser humano é também obra da evolução, cheio de imperfeições e imprevisibilidades. A natureza não funciona segundo leis deterministas. Segundo Jung, metade dos acontecimentos na vida humana são previsíveis e metade são imprevisíveis:

"Apesar de nosso sentimento e não obstante os fatos ocorrerem segundo as leis gerais, não se pode negar que estamos sempre e em toda parte expostos aos acasos mais imprevisíveis. Será que existe algo mais imprevisível e mais caprichoso do que o acaso? O que poderia ser mais inevitável e mais fatal? Em última análise, podemos dizer que a conexão causal dos fatos, de acordo com a lei geral, é uma teoria que se confirma na prática em cinqüenta por cento dos casos. Os outros cinqüenta por cento ficam por conta da arbitrariedade do demônio chamado acaso”. (Jung, 1993, 58)

No entanto, insistimos em buscar a onipotente segurança da certeza. Não integramos o acaso, o analógico, no todo social. Perdemos a visão grega da história (Heródoto e Tucídides) que valorizava o acaso e adotamos a visão iluminista que valoriza mais o esforço humano. Agredimos a natureza, exploramos as florestas e os animais, os rios e os mares, na vã expectativa de obter uma permanência e estabilidade sócio-econômica, quando a ecologia planetária é instável e em constante mutação.

O efeito estufa, reconhecido pelos cientistas, mostra como a ecologia tem de ser respeitada, como o ser humano precisa parar de destruir a natureza e retomar uma conduta de harmonia com o meio ambiente. Nesse sentido Ecologia, inclusive, deve ser entendida na sua tríplice dimensão: ambiental, social e mental, ou seja: ”Mais do que nunca a natureza não pode ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar transversalmente as interações entre ecossistemas, mecanosfera e universo de referências sociais e individuais” (Guatari, 2001, 25).

Cada qual a seu modo, Direito e Economia devem ser conhecimentos a serviço da convivência social, e, sobretudo dessa nova concepção de ecologia. A moeda não pode ser a mercadoria mais valiosa do mundo! O momento atual exige a criação de um novo modo de atividade econômica, onde a moeda atue como mediadora no conjunto das demais atividades sociais, e não seja mais o principal elemento da vida social.

6. CONCLUSÕES
A moeda é um símbolo mediador, de grande significação para a vida social. A eficiência da moeda reside na sua interação qualitativa com a realidade econômica e não, isoladamente, na sua expressão jurídica. A crise econômica mundial deve levar em conta a complexidade dos fatores, pois o controle e solução dos problemas econômicos não se dá unicamente pela imposição de normas jurídicas.

O momento atual exige uma postura de Mediação das pessoas, dos Estados, da sociedade civil, das instituições econômicas, das Ongs, do sistema financeiro, enfim de todos. Esse poder de autocomposição e de decisão os próprios interessados devem manifestar para construir uma sociedade mais solidária. Somos todos iguais, vivemos num só planeta. Não basta resolver essa crise econômica mundial para restabelecer tudo como era antes, tudo de volta ao “status quo ante”. É necessário retomar a Ética e a verdade, eliminar o cinismo, visando construir uma nova sociedade baseada não na moeda, mas sim na dignidade da pessoa humana, valor primordial da sociedade.

Alías, isso está escrito na nossa Constituição: o fundamento do Estado é a dignidade da pessoa humana (art.1, III) e um dos objetivos fundamentais da República é “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art.3, I).

Não teria chegado o momento de cumprir esses objetivos consagrados pela Constituição? Não teria chegado o momento de recolocar a moeda como Mediadora das relações econômicas e não como fim último, como razão de ser de toda a atividade deste mundo complexo e global?

É urgente responder essas questões básicas, antes que o desequilíbrio ecológico do Planeta provoque catástrofes incontroláveis e ameace a própria sobrevivência do ser humano.

A crise mundial deve, no mínimo, recolocar o símbolo moeda no seu devido lugar, aliás, de onde nunca deveria ter saído: a Moeda é meio e não fim.

ADEMIR BUITONI é Doutor em Direito Econômico pela FDUSP, Advogado e Mediador em São Paulo


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