quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

O Dossiê-Israel

O governo de Israel acaba de ser surpreendido. E a ministra de Relações Exteriores, Tzipi Livni, uma ex-007 do Mossad, parece já ter percebido que a sua desmedida ambição em ocupar a cadeira do premier Ehud Olmert poderá colocar os principais integrantes do conselho de ministros israelense no banco dos réus do Tribunal Penal Internacional (TPI).

O novo quadro pode ser mais bem compreendido quando se analisa o período que antecedeu os 22 dias de guerra na Faixa de Gaza. Uma tragédia com 1,3 mil palestinos mortos, entre crianças, mulheres, idosos, enfermos, chefes de família e integrantes do Hamas.

Atolado em denúncias de corrupção, o premier Olmert era avaliado pela opinião pública como fraco e incapaz de reagir às provocações do Hamas, que tornou rotina o disparo de desgovernados foguetes Qassam (leva o nome de antigo líder palestino da década de 30) em território israelense de fronteira, com mortes e danos materiais.

De olho nas eleições e interessada em reverter a tendência em favor do radical Likud, liderado pelo beligerante e ocupacionista Benjamin Netanyahu, a ministra Livni apostou numa guerra arrasadora e rápida contra o Hamas.

O ministro da Defesa, Ehud Barak, também interessado em ser premier, resistiu inicialmente à reação desproporcional pretendida pela dupla Livni-Olmert. Para Barak, a resposta às provocações eram necessárias, mas com reação pontual, ou seja, bombardeamentos dos túneis, na fronteira com o Egito, por onde passavam armamentos e munições para o Hamas.

A proposta de guerra entusiasmou Olmert, até para refazer a imagem de homem fraco e esconder a de corrupto, ao tempo que fora prefeito de Jerusalém. Barak cedeu e Livni, no início, vibrou com a aprovação à guerra revelada em pesquisa realizada entre israelenses.

Não esperava Livni que fosse continuar, depois do cessar-fogo, atrás de Netanyahu nas pesquisas de intenção de voto. Este uma “tragédia anunciada”, caso saia vencedor na eleição. Muito menos esperava ela que o TPI fosse, pelo Ministério Público, abrir um “dossiê” sobre crimes de guerra perpetrados por Israel.
Israel poderá, em breve, entrar em outra guerra, agora jurídica. Não em Gaza, mas em Haia, sede do TPI.

Do “Dossiê-Israel” constam: 1. Denúncia que oito organizações não-governamentais judaicas (ONGs) apresentaram à Justiça de Israel, pela reação desproporcional em face das provocações do Hamas. 2. Sindicância da ONU ainda em andamento e a cargo do finlandês Martti Ahtisaari sobre os cinco prédios bombardeados por Israel. 3. Representações da Anistia Internacional e da Liga Árabe. 4. Uso de fósforo branco nos bombardeios. 5. Relatórios sobre ataques às mesquitas, aos hospitais e às escolas em Beit Lahiya e Jabaliya, com registro de Israel haver alegado que eram usados como escudos pelo Hamas. 6. Relatório do escritório da ONU em Ramallah. 7. Agressões desmotivadas a civis não envolvidos no conflito.

O professor Eyal Benvenisti, titular de Direito Internacional da Universidade de Tel-Aviv, em entrevistas, disse que o TPI não tem jurisdição sobre Israel. Essa sua conclusão não conta com unanimidade e existem os precedentes e jurisprudências com relação a Darfur (Sudão) e à Costa do Marfim.

Com efeito, Israel subscreveu a Convenção de Roma de 1998, criadora do TPI. Não a ratificou. Vale dizer, e ao contrário de 108 Estados membros da ONU, não aceitou a jurisdição internacional.

Ocorre que o lugar do conflito não foi em Israel, mas em Gaza, desocupada pelos israelenses em 2006. Não aceitar a jurisdição internacional só é legítimo sobre fato acontecido no seu território. Assim, os responsáveis podem ser processados. Para o TPI, competente para julgar crimes de genocídio, de guerra e contra os direitos humanos, o lugar da consumação dos crimes conta muito.

Os tratadistas em Direito Internacional ensinam que, num processo no TPI, haverá sempre a necessidade de um Estado ofendido. Ora, na Faixa de Gaza existe um governo, sem Estado criado. Nominalmente, o governo seria representado pela Autoridade Nacional Palestina. De fato, o governo em Gaza é do Hamas, que não conta com reconhecimento internacional.

Não seria absurdo concluir, entretanto, que na Palestina existe, de fato, um Estado. Como Estado de fato poderá aceitar a jurisdição ad hoc do TPI (ad hoc para os fatos ocorridos no seu território nos 22 dias de guerra), conforme artigo 12, parágrafo 3º, do estatuto que rege o tribunal.

A Israel favorece apenas o fato de o estatuto do TPI estabelecer que a sua jurisdição é subsidiária. Vale dizer: o tribunal pode atuar apenas quando o Estado membro da ONU se omitir. A Justiça do Estado de Israel está apurando as denúncias das oito ONGs judaicas e o emprego de fósforo branco mencionados no Dossiê-Israel.


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