quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A crise na era senil do capitalismo. Esperando, inutilmente, o quinto Kondratieff



INCERTEZA
“Incerteza” é a palavra que melhor define o clima psicológico atual. Todos os precedentes capitalistas desta crise demonstraram-se inúteis na hora de entender o que está acontecendo. A imagem da “terra incógnita”, do ingresso em um território desconhecido vai se impondo entre as elites das grandes potências. Em um artigo publicado recentemente no jornal The Independent, Jeremy Walker resume muito bem essa nova percepção: “Nos encontramos em um mar desconhecido, ninguém sabe para onde vamos. A única coisa que sabemos é que a tormenta econômica prossegue sua marcha” (1).

Por sua parte, James Rickards, uma figura chave do aparato de inteligência estadunidense (formalmente é assessor financeiro do gabinete do Secretário de Defesa), apresentou no dia 17 de dezembro de 2008 um informe, sob os auspícios da Marinha dos Estados Unidos, onde traça quatro cenários catastróficos sobre o futuro dos EUA. Um deles (como não poderia ser de outra maneira na era Bush) descreve um mega ataque terrorista que aproveitaria a extrema debilidade da economia para aplicar um golpe mortal no Império. Outro está centrado em uma suposta agressão financeira da China vendendo massivamente no mercado dólares e títulos públicos estadunidenses, provocando assim a queda de suas cotações. Um terceiro cenário apresenta a queda livre do dólar e as conseqüências desastrosas para a sociedade imperial e o resto do mundo. Por fim, o quarto cenário, talvez o mais importante, denominado “Queda existencial”, prognostica uma depressão prolongada com redução do Produto Bruto Interno da ordem de 35% ao longo dos próximos 6 ou 7 anos, com uma taxa de desemprego que chegaria a 15% (2).

A ilusão da auto-regulação do mercado financeiro virou fumaça; os gurus da especulação se esconderam ou mudaram de discurso, pedindo ajuda a outros deuses: os da intervenção estatal, que eles, há umas poucas décadas, jogaram no baú dos velhos objetos inúteis. Até fins de 2008, numerosas revistas especializadas de todos os continentes, algumas destinadas ao grande público, mostravam a fotografia de Lord Keynes, desenterrado para nos salvar do desastre. Mas até agora a nova-velha magia intervencionista tem demonstrado a mais completa impotência.

Vários bilhões de dólares, euros e outras moedas fortes (fortes?) foram lançados ao mercado em espetaculares operações de socorro com resultado nulo. O mercado financeiro não se auto-regula, mas tampouco aceita ser regulado.Uma avalanche de acontecimentos sepultou por completo os prognósticos conservadores dos vencedores da Guerra Fria. O futuro já não será mais um “mais do mesmo” e, ao se romper essa linearidade burguesa da história, reaparece com uma força inusitada o que Mircea Eliade denominava “o terror da história”, neste caso uma provável sucessão de fatos onde os poderes e valores dominantes não sejam respeitados, atingidos por forças hostis. Esse temor cresce velozmente entre as classes dominantes.

A crise financeira é gigantesca, mas também o são as “outras crises”, umas mais visíveis ou virulentas que outras, convergindo até conformar um fenômeno inédito. Para tomar apenas um exemplo, a crise energética que expressa, por enquanto, o estancamento e a redução próxima da produção petroleira global, foi até bem pouco tempo um catalisador decisivo da especulação e da inflação (até antes da queda econômica global do último trimestre de 2008), e nos espera em um futuro não distante para desferir novos golpes inflacionários, quando a extração cair mais alguns degraus ou quando a depressão econômica seja detida. Por outro lado, a crise energética está associada à crise alimentar e ambas assinalam a existência de um impasse tecnológico geral que se estende ao Meio Ambiente e ao aparato militar-industrial, todo ele concentrado e exacerbado a partir do colapso financeiro nos Estados Unidos, o centro do mundo.

É possível então afirmar que as diversas crises não senão aspectos de uma mesma crise, sistêmica, do capitalismo como etapa da história humana (3).

Ciclos
Uma componente importante dessa crise psicológica é a constatação de que certos ciclos que pareciam reger o funcionamento econômico deixaram de funcionar. Trata-se da destruição da crença em que, após um determinado número de meses ou anos de vacas magras, o sistema seguiria seu caminho ascendente.

Os ciclos decenais descobertos por Juglar até 1860 atravessaram boa parte do século XIX expressando as oscilações do jovem capitalismo industrial, ainda que, ao final do mesmo, essas rotinas tenha se desordenado. Em 1885, em uma nota anexa ao livro III do “Capital”, Engels assinalava que “ocorreu uma virada desde a última grande crise geral (1867). A forma aguda do processo periódico com seu ciclo de dez anos que vinha se observando até então parece ter cedido o posto a uma sucessão mais crônica e larga de períodos relativamente curtos e tênues de melhoria dos negócios e de períodos relativamente largos de depressão...”.

E atribuía essa mudança à nova configuração econômica internacional marcada pelo rápido desenvolvimento dos meios de comunicação, pela ampliação do mercado mundial e pelo fim do monopólio industrial inglês (4). Os velhos ciclos decenais tendiam a desaparecer porque o capitalismo tinha sofrido mudanças estruturais decisivas.

Mas isso não afetou outras rotinas do sistema como os ciclos longos de Kondratieff, etapas de aproximadamente 50, 60 anos (a primeira metade de ascensão econômica e a segunda de decréscimo) que vinham se sucedendo a partir da revolução industrial inglesa. Ao longo da história do capitalismo, foram registrados quatro ciclos de Kondratieff. O primeiro iniciou no fim do século XVIII e terminou em meados do século XIX; o segundo terminou durante a última década desse século e o terceiro durante os anos 1940, quando se iniciou um quarto ciclo cuja etapa de prosperidade chegou até fins dos anos 1960, até 1968 se seguimos a proposta de Mandel que prefere estabelecer cortes históricos precisos (5). A partir desse momento, a taxa de crescimento da economia mundial impulsionada pelos países capitalistas centrais descreveu uma tendência decrescente no longo prazo que não se deteve até a atualidade e que deveria prolongar-se em um futuro previsível.

Se aceitamos a periodização de Mandel, a fase decrescente do primeiro Kondratieff teria durado uns 22 anos, a do segundo 20 anos e a do terceiro 26 anos, uma média de aproximadamente 22,6 anos. Mas o período de descenso do quarto Kondratieff já estaria durando uns 40 anos (em 2008) e não é demasiado ousado prognosticar seu prolongamento ao menos um pouco mais. Seguindo o modelo teórico, a recuperação deveria ter começado em meados da década passada. Isso não se produziu e tampouco ocorre na década atual.

Pior ainda, cada fase ascendente costuma ser associada a grandes inovações tecnológicas que modificaram os sistemas de produção e os estilos de consumo. Assim ocorreu durante a primeira revolução industrial com a máquina a vapor e a expansão da indústria têxtil, em meados do século XIX com o aço e o desenvolvimento das ferrovias, no final do século XIX com a eletricidade, a química e os motores, e a eletrônica, a petroquímica e os automóveis em meados dos anos 1940 no início do quarto Kondratieff.

Assim “deveria ter ocorrido” na década dos anos 1990, atravessada por grandes inovações em informática, biotecnologia e novos materiais. No entanto, essas mudanças técnicas não modificaram positivamente o curso dos acontecimentos. Pelo contrário, acentuaram suas piores características. Por exemplo, a informática: quando avaliamos seu impacto segundo a importância da atividade econômica envolvida, constatamos que sua principal aplicação de produziu na área do parasitismo financeiro, cujo volume de negócios (alguns trilhões de dólares) equivale atualmente a umas 19 vezes o Produto Bruto Mundial.

Isto me permite trabalhar com a hipótese de que, assim como ocorreu há cerca de um século com os ciclos decenais de Juglar, podemos atualmente sustentar que os longos ciclos de Kondratieff perderam validade científica. A fase decrescente do quarto Kondratieff foi triturada pela nova realidade. A economia mundial completamente hegemonizada pelo parasitismo financeiro obedece a uma dinâmica radicalmente diferente da vigente durante a era do capitalismo industrial.

Frente a essa evidência não faltam os especialistas e acadêmicos prontos a encontrar uma nova rotina restauradora da ordem. Alguns propõem regressar a ciclos mais curtos e violentos, ao estilo Juglar (retorno ao século XIX?), outros misturam Juglar e Kondratieff introduzindo alguns adornos provenientes da psicologia social, e outros ainda realizam manipulações econométricas no ciclo Kondratieff, conservando assim a esperança em uma futura recomposição ascendente do sistema. É o caso de Ian Gordon, renomado especialista norte-americano em prognósticos econômicos que não hesita em fabricar um super “quarto Kondratieff” estadunidense de quase 70 anos, deslocando para a direita o início de sua etapa ascendente (de 1940 a 1950), estendendo-a até os anos 1980 e propondo o fim do descenso (e o começo de um novo e maravilhoso quinto Kondratieff capitalista) para o final da segunda década do século XXI (6).

Senilidade
O fim das rotinas e o ingresso em um tempo de desordem geral estão assinalando que o mundo burguês não se encontra diante de uma enfermidade passageira, uma “crise cíclica” a mais no interior do grande ciclo, único e supostamente vigoroso do capitalismo, mas sim diante de uma crise de enorme amplitude onde as enfermidades se multiplicam, não por um capricho do destino, mas sim porque o organismo, o sistema social universal, está muito velho.

O capitalismo mundial ingressou na etapa senil (7) nos anos 1970 quando o parasitismo tornou-se hegemônico. Ao longo da referida década e do início dos anos 1980 ocorreram fatos decisivos nos Estados Unidos, entre eles o início do declínio de sua produção petroleira, a decisão do governo Nixon de terminar com o padrão dólar-ouro, a derrota no Vietnã, ao que logo se agregaram os déficits comerciais e fiscais crônicos e a alta incessante das dívidas pública e privada, a concentração dos lucros, o consumismo, a elitização e degradação do sistema político, etc.

Tudo isso teve conseqüências no início do século XXI, quando a bolha das bolsas desinflou, em uma situação extremamente grave, a qual o Império respondeu com uma desesperada fuga para a frente: radicalizou sua estratégia de conquista da Eurásia, deslocando grandes contingentes militares (Iraque e Afeganistão), reanimou a especulação financeira inflando a bolha imobiliária e, graças a ela, voltando a inflar a bolha financeira. Diante da crise do parasitismo financeiro decidiu impulsionar uma onda parasitária muito maior que a anterior. Não se trata de um “erro estratégico”, mas sim de uma conseqüência estratégica lógica inscrita na dinâmica dominante do sistema de poder.

Um primeiro indicador de senilidade é a decadência dos Estados Unidos, resultado de um largo processo de degradação. A “globalização” desenvolvida desde os anos 1970 implicou um triplo processo: o “aburguesamento” quase completo do planeta (a cultura do capitalismo tornou-se verdadeiramente universal ao derrotar a URSS e integrar a China), a financeirização integral do capitalismo (hegemonia parasitária) e a unipolaridade, instalação do Império norteamericano como poder supremo mundial. Principal consumidor global e área central dos negócios financeiros internacionais, ao que se agrega o fato decisivo da “norteamericanização” da cultura das classes dominantes do mundo. É por isso que o declínio (senilidade) dos Estados Unidos, para além de suas consequências econômicas (ou incluindo suas consequências econômicas) constitui o motor da decadência universal do capitalismo.

O império tem sido, ao mesmo tempo, vítima e verdugo do resto do mundo. Seu consumismo parasitário teve como contrapartida os bons negócios comerciais e financeiros das burguesias da União Européia, China, Japão, Índia, etc. O inchaço parasitário estadunidense foi o amortecedor fundamental da crise de superprodução crônica das grandes potências, mas a bolha imperial agora está desinflando e o capitalismo global ingressa na depressão.

Um segundo indicador de senilidade é a interação entre dois fenômenos: a hipertrofia financeira global e a desaceleração da economia mundial no longo prazo. No início do século XXI, chegamos à financeirização integral do capitalismo. As tramas especulativas impuseram sua “cultura” de curto prazo e depredadora que passou a ser o núcleo central da modernidade. Presenciamos um círculo vicioso; a crise crônica de superprodução iniciada há quatro décadas comprimiu o crescimento econômico desviando excedentes financeiros para a especulação, cujo Ascenso operou como um mega aspirador de fundos retirados do investimento produtivo. Hoje a massa financeira mundial estaria chegando a um trilhão de dólares (somente as operações com produtos financeiros derivados registrados pelo Banco de Basiléia superam os 600 bilhões de dólares).

A economia mundial cresce cada vez menos. Além disso, enfrenta um teto energético que bloqueia seu desenvolvimento, o que nos sugere que o tema da crise energética é o da incapacidade tecnológica do sistema para superar a armadilha do esgotamento dos recursos naturais não renováveis. É importante não que esquecer que o capitalismo industrial pode avançar desde o final do século XVIII porque conseguiu se tornar independente dos recursos energéticos renováveis que o submetiam a seus ritmos de reprodução e impor sua lógica aos recursos não renováveis: o carvão, seguido mais adiante pelo petróleo. Essa proeza depredadora (que nos levou ao desastre atual) foi o pilar decisivo da construção de seu sistema tecnológico articulador de uma complexa e evolutiva rede de procedimentos produtivos, produtos, matérias primas, hábitos de consumo, etc., ligando o desenvolvimento científico e as estruturas de poder.

A crise energética está associada à crise alimentar, às quais deveríamos agregar a crise ambiental para expor um terceiro indicador de senilidade: o bloqueio tecnológico. É útil o conceito de “limite estrutural do sistema tecnológico” definido por Bertrand Gille como o ponto em que o dito sistema é incapaz de aumentar a produção a um ritmo que permita satisfazer necessidades humanas crescentes (8). Não se trata de necessidades humanas em geral, ahistóricas, mas sim de demandas sociais historicamente determinadas. É possível, assim, formular a hipótese de que o sistema tecnológico do capitalismo estaria chegando a seu limite superior para além do qual vai deixando de ser o pilar decisivo do desenvolvimento das forças produtivas para se converter na ponta de lança de sua destruição.

O capitalismo está gerando agora um enorme desastre ecológico, resultado de uma “rigidez civilizacional” decisiva que impede superar uma dinâmica tecnológica que conduz à depredação catastrófica do meio ambiente. Toda vez que isso ocorreu no passado pré-capitalista foi porque a civilização que engendrou tal sistema técnico havia chegado a sua etapa senil (a destruição do meio ambiente é, na realidade, a autodestruição do sistema social existente).

Um quarto indicador de senilidade é a degradação estatal-militar posta em evidência pelo fracasso da aventura dos falcões norteamericanos, mas que expressa uma realidade global.O estado intervencionista permitiu controlar as crises capitalistas ocorridas desde o início do século XX. Sua ascensão esteve sempre associada ao militarismo, às vezes de maneira visível e outras, como logo após a Segunda Guerra Mundial, sob disfarce democrático (se observamos a evolução dos Estados Unidos desde os anos 1930 comprovaremos que o “keynesianismo militar” constitui-se até hoje na espinha dorsal de seu sistema).

Mas finalmente o desenvolvimento das forças produtivas universais, até chegar a sua degeneração parasitária-financeira atual, terminou por transbordar seus reguladores estatais, submergindo-os na maior de suas crises. O neoliberalismo aparentou ser a expressão de uma globalização superadora dos estreitos capitalismos nacionais; na realidade, tratava-se de vigoroso monstro financeiro devorando a seu pai estatal-produtivo-keynesiano. Agora, encurralados pela crise, os dirigentes das grandes potências retornam ao intervencionismo estatal que resulta impotente ante a maré financeira.

Esta decadência estatal inclui a do militarismo moderno evidenciado pelo atoleiro militar do Império no Iraque e do conjunto do Ocidente no Afeganistão. Trata-se de um fenômeno duplo. Por uma parte, a ineficácia técnica desses aparatos militares para ganhar as guerras coloniais; por outra, seu gigantismo parasitário operando como acelerador da crise. O caso norteamericano é exemplar (e sobre determinante): a hipertrofia bélica aparece como um fator decisivo dos déficits fiscais e da corrupção generalizada do Estado.

Um quinto indicador de senilidade é a crise urbana desatada na era neoliberal e que se agravará exponencialmente ao ritmo da crise atual. Desde o início dos anos 1980, quando a desocupação e o emprego precário nos países centrais se tornaram crônicos e quando a exclusão e a pobreza urbanas se expandiram na periferia, o crescimento das grandes cidades foi cada vez mais o equivalente da involução das condições de vida das maiorias. A decomposição das cidades é claramente visível na periferia, mas não é sua exclusividade. Trata-se de um fenômeno global ainda que seja no mundo subdesenvolvido onde ocorram os primeiros colapsos, expressões mais agudas de uma onda multiforme, irresistível.

Crise
Desde suas origens o capitalismo industrial experimentou uma larga sucessão de crises de superprodução. No século XIX, apresentou crises cíclicas de crescimento de uma civilização jovem. A cada grande turbulência, o sistema se expandia, deixando, porém, seqüelas negativas que foram se acumulando até engendrar finalmente uma força parasitária-financeira que se tornou dominante no início do século XX. Neste momento, o capitalismo ingressou em sua era de “maturidade”. A intervenção estatal, aliada aos parasitismos militar e financeiro, conseguiu controlar as crises das quais emergiram fenômenos de decadência que deram um salto qualitativo quando estourou a crise de superprodução no final dos anos 1960. Esta última foi amortizada, o sistema global seguiu crescendo, mas foi na base da expansão exponencial da depredação ambiental e do parasitismo, principalmente financeiro, que passou a controlar por completo o conjunto do mundo burguês, inaugurando a era senil do capitalismo.

Da “destruição criadora” à destruição depredadora
Neste novo contexto é que foi se preparando o grande estouro que hoje presenciamos, cujo detonador foi o colapso financeiro de 2008. A partir dele, o capitalismo global vai deixando (rapidamente) de ser um sistema velho crescendo cada vez menos e com maiores custos sociais para se tornar abertamente uma força destruidora das forças produtivas e do meio ambiente (da “destruição criadora” shumpeteriana do século XIX à destruição depredadora do século XXI). As civilizações anteriores ao capitalismo não liquidadas por fatores exógenos (invasões, catástrofes naturais, etc) foram derrotadas por devastadoras e prolongadas crises de superprodução, onde sua rigidez técnica (produto do envelhecimento cultural) bloqueava o desenvolvimento produtivo e desatava uma catástrofe ecológica. O motor dessas tragédias sempre foi o predomínio paralisante do parasitismo acumulado durante o longo ciclo civilizacional.

A burguesia proclamava ter acabado com as crises de subprodução das antigas civilizações graças ao excepcional dinamismo tecnológico do sistema que só podia sofrer crises cíclicas de superprodução sempre controladas graças à crescente sofisticação de seus instrumentos de intervenção (que o neoliberalismo não eliminou, mas sim potencializou, colocando-os a serviço da depredação financeira). Os catastrofistas eram alvo de chacota, em especial os marxistas, que aguardavam a crise geral e final de superprodução que nunca chegou. No entanto, tais crises foram acumulando um potencial parasitário que está agora começando a gerar uma crise de superprodução planetária, a maior da história humana. Se, neste caso, quiséssemos seguir utilizando o conceito de “crise cíclica” deveríamos fazê-lo nos referindo ao ciclo aproximadamente bicentenário do capitalismo que acaba de ingressar no período de aceleração da senilidade, de multiplicação de enfermidades e de colapsos.

Quatro esperas inúteis
Levando em conta esse contexto de crise sistêmica, civilizacional, quero fazer referência a quatro esperas inúteis que florescem nos círculos de poder e suas periferias cortesãs. A primeira delas, que sobredetermina as outras três, é a da chegada de um quinto ciclo de Kondratieff, de uma nova prosperidade produtiva do capitalismo, aguardado durante a década passada e a atual. Não pode chegar porque a estrutura econômica que engendrava esse tipo de ciclos no passado desapareceu vítima do parasitismo financeiro.

A segunda se refere à chegada milagrosa de um novo keynesianismo que, portando a espada do intervencionismo estatal, cortaria a cabeça dos malvados especuladores financeiros instalando no centro da cena aos bons capitalistas produtivos. O novo herói keynesiano não chegará porque seu instrumento decisivo, o Estado, é impotente frente à maré financeira e o é muito mais ante o oceano da crise sistêmica. Além disso, a longa festa neoliberal degradou-o profundamente. Por outra parte, os bons capitalistas produtivos não aparecem em nenhuma parte. O que, sim, aparece, por todos os lados, são os gênios da especulação financeira.

A terceira espera inútil é a do renascimento do Império após quase quatro décadas de decadência, sobrecarregado de dívidas, desfigurado pelo consumismo, com uma cultura produtiva seriamente deteriorada. Não existe nenhum indício sério desse suposto renascimento. Finalmente, a quarta espera inútil é a de um novo Império capitalista ou uma nova aliança imperial, um novo centro do mundo burguês, a acoplagem total entre as grandes potências descarta por completo essa expectativa (tal acoplagem é o resultado de um longo processo de integração que terminou por conformar um sistema global fortemente interrelacionado).


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